A crítica abaixo discorre sobre a 1ª temporada completa de ‘The Last of Us’. Por isso, tome cuidado com os spoilers.
As adaptações de videogames não têm um bom histórico dentro do cenário audiovisual. Diversas incursões que prometiam honrar o legado dos jogos falharam miseravelmente em cumprir com as expectativas ou até mesmo entregar uma mínima história decente – como as releituras de ‘Tomb Raider’, ‘Mortal Kombat’ e ‘Resident Evil’. Como pontuais exceções, podemos citar ‘Um Lobo Entre Nós’, que mergulhou de cabeça no universo do game original, ou a mini-franquia ‘Sonic’, que encantou os fãs ao redor do mundo apesar da morna recepção crítica. Agora, a HBO resolve de envolver com tais adaptações com a promissora série ‘The Last of Us’, baseada no jogo homônimo de 2013 da Naughty Dog e do genial Neil Druckmann.
Para aqueles que não conhecem, o escopo principal da história é a eclosão de uma pandemia que dizima a população mundial e que tem origem com a mutação genética de um perigoso fungo que se apodera da mente humana e a utiliza para caçar e se alimentar a fim de sobreviver. Anos depois do mortal surto, os poucos sobreviventes se isolam em baluartes que outrora eram cidades e que têm uma política severa de subserviência cega. Nesse derradeiro prospecto, emerge Joel (Pedro Pascal), um homem de meia idade que carrega mágoas e traumas do passado e que passa seus dias contrabandeando “artigos de luxo” na outrora intitulada Boston para poder escapar de lá e reencontrar o irmão, Tommy (Diego Luna). Entretanto, seus planos passam por uma mudança quando Marlene (Merle Dandridge), líder do movimento rebelde que luta contra o autoritarismo militar das colônias, o encarrega com uma missão de importância indiscutível: transportar a jovem Ellie (Bella Ramsey) para uma outra facilidade.
Toda a intrincada trama é bastante familiar para qualquer um que seja apaixonado por distopias pós-apocalípticas e desastres naturais – mas a beleza de ‘The Last of Us’ é o modo como isso é tratado. A disseminação do fungo não existe como mote principal dos arcos dos personagens, e sim em comunhão com eles, permitindo que seja uma espécie de engrenagem em complexas personalidades que foram obrigadas a mergulhar em uma melancólica frieza para permanecerem vivas; a partir disso, temas como luto, barbárie, sacrifício e redenção insurgem em um incrível espetáculo dramático que consegue equilibrar cada elemento que entrega aos fãs. Não é surpresa que, ao longo dos episódios, tomemos ciência de que a releitura da HBO não é apenas uma das melhores do ano, mas do catálogo da emissora.
São vários os aspectos que nos chamam a atenção. Temos, por exemplo, a brilhante interpretação de Pascal como Joel. No capítulo de estreia, Joel mora com a filha única, Sarah (Nico Parker), em um subúrbio estadunidense que se transforma em um completo caos com a chegada do fungo; dentro da ambientação pintada desde os primeiros minutos, sabemos que alguma coisa grave vai acontecer – e Pascal faz um trabalho digno de premiação ao se afundar em um vórtice de angústia, autodepreciação e calculismo que o impede de criar laços com qualquer outro personagem. À medida que tudo vai se desenrolando, o exímio roteiro coloca Joel em um merecido arco de redenção repleto de reviravoltas e que nos mantém envolvidos até os créditos do season finale subirem na telinha.
Isso não seria possível sem a presença de Ramsey como Ellie. A jovem órfã e a única sobrevivente a carregar uma cura em potencial para a pandemia nunca pôde confiar em ninguém e cresceu rodeada por um governo fascista e marcada por uma completa falta de pertencimento. Não é surpresa que Ellie e Joel tratem um ao outro com uma acidez notável, cortesia da equipe entre os co-protagonistas que é a cereja de um delicioso bolo. Conforme os dias passam e os problemas crescem, ambos se enxergam como parte de uma disfuncional família – ainda que nenhum reconheça isso. E, além de se manterem fiéis aos personagens originais, tanto pascal quanto Ramsey têm abertura o suficiente para criarem elementos únicos e aplaudíveis.
A estrutura técnica segue de perto dos múltiplos ápices da produção: com narrativa de Druckmann e de Craig Mazin (o mesmo nome da impecável minissérie ‘Chernobyl’), os eventos são pensados com cautela extrema e com uma paixão invejável cujo objetivo não é apenas oferecer um presente aos fãs do game, e sim garantir que os estreantes neste universo compreendam a história e comprem entrada para uma jornada espetacular e memorável. A dupla supracitada poderia muito bem tropeçar na difícil tarefa de balancear drama, tragédia, terror e comédia num espectro como esses, mas se afasta de boa parte dos convencionalismos e sabe como aproveitar seus pontos mais fortes.
Nada poderia nos preparar para o que a HBO tinha a oferecer com ‘The Last of Us’ – afinal, era apenas natural que ficássemos com um pé atrás. Entretanto, as expectativas do público são superadas com facilidade, principalmente pela qualidade da adaptação. E, à medida que o episódio final termina, não podemos deixar de sentir um gostinho de quero mais, imaginando o que pode acontecer em uma provável segunda temporada.
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