Netflix esconde joia rara: o suspense com Penélope Cruz que todos deveriam ver – Zonatti Apps

Netflix esconde joia rara: o suspense com Penélope Cruz que todos deveriam ver

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), um dos pensadores mais completos e complexos da história, enfatizava a necessidade do recomeço como uma questão central do existir. O pensamento de Heidegger destaca as descobertas que fazemos ao longo da vida, uma cornucópia de mistérios cuja solução é meramente ilusória. A inquietação do homem frente ao passar do tempo incessante e incansável motiva-o a não desperdiçar oportunidades. Ao identificar espaços para arrependimento e correção de conduta, o homem deve, sem hesitação, vencer a correnteza e se salvar. A existência humana, para Heidegger, é um eterno vir a ser, onde nada é imediato ou definitivo. O homem precisa redobrar a atenção para não se comprometer com projetos equivocados, pois perder tempo pode custar caro. O entendimento de Heidegger sobre a vida, e mais amplamente, a verdade da vida, conduz a uma conclusão poética e desconfortável: devemos nos propor incansavelmente a novas maneiras de agir.

Talvez a justificativa para o que é apresentado em “Wasp Network — Rede de Espiões” (2020) esteja em Heidegger. Na busca por uma vida melhor, um piloto deixa seu país. Nada de extraordinário nisso, todos que têm a chance, o fazem. No entanto, é preciso calcular cuidadosamente cada passo quando se vive em uma ilha socialista a menos de oitenta milhas dos Estados Unidos, repleta de agentes duplos fiéis ao ditador do país. O trabalho do francês Olivier Assayas utiliza uma história real para mergulhar na ação, enquanto formula críticas com ternura. Assayas se baseia em “Os Últimos Soldados da Guerra Fria: A História dos Agentes Secretos Infiltrados por Cuba em Organizações de Extrema Direita dos Estados Unidos” (2011), publicado pela Companhia das Letras, embora o livro do jornalista mineiro Fernando Morais nunca seja mencionado. Morais se concentra na atuação da Rede Vespa, um grupo de agentes secretos especializado em burlar a vigilância do FBI e infiltrar-se em células anticastristas em Miami durante os anos 1990. O diretor, por sua vez, foca na natureza um tanto fantasiosa da narrativa, destacando as reviravoltas que passam a ditar a vida do protagonista, um homem comum que toma uma atitude impetuosa que sustenta toda a trama.

Esse homem é René Gonzalez, trazido à vida pelo talento sólido de Edgar Ramirez, que tem se tornado um coringa para adicionar charme a produções consideradas intelectuais, especialmente aquelas que captam histórias com as quais poucos estão familiarizados. Trabalhando como piloto de voos turísticos em Havana, o protagonista cumpre mais um dia de expediente, conversa com os colegas antes de decolar novamente e, mesmo nos comentários mais despretensiosos, o regime do ditador Fidel Castro (1926-2016) é quase sempre o tema. O que começou como a grande promessa de um paraíso socialista na Terra, enquadrado pelas deslumbrantes paisagens caribenhas, tornou-se, como costuma acontecer, um celeiro de arbitrariedades e injustiça social, apesar das tentativas de militantes de esquerda de contestá-lo até hoje. Na prática, Fidel, no auge de seu carisma e de sua influência negativa sobre Cuba, simplesmente continuou a violenta tirania de Fulgêncio Batista (1901-1973), contando com a ajuda de “idiotas úteis” como o argentino Ernesto “Che” Guevara (1928-1967). Em um ato que Assayas retrata como insano, mas que claramente foi bem planejado, Gonzalez utiliza uma aeronave da empresa que o emprega e foge para Miami, no extremo sul do território americano, o que não constitui propriamente um incidente diplomático, já que ele nasceu nos Estados Unidos. Em uma entrevista logo após sua chegada, ele rejeita a propaganda castrista delirante e ressalta a miséria da vida em Cuba, sem se preocupar se sua esposa Olga Salanueva, interpretada por Penélope Cruz, ou sua filha Irma, interpretada por Osdeymi Pastrana Miranda, sofrerão represálias.

O diretor apresenta Gonzalez como um oportunista caricato, exaltando um heroísmo inadequado assim que a grande reviravolta do filme se desenrola. As participações menores, do brasileiro Wagner Moura e da cubana Ana de Armas, encarnação da desilusão socialista, ajudam o público a sintonizar com o espírito daquele tempo, que em Cuba, continua a ser um fantasma que se reproduz.


Filme: Wasp Network — Rede de Espiões
Direção: Olivier Assayas
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 9/10

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