O Brasil dispõe de 292 Caps (Centros de Atenção Psicossocial), habilitados no Ministério da Saúde, dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes. Mas há lacunas na oferta do serviço conforme a região. Acre, Roraima e Tocantins, por exemplo, não contam com nenhuma unidade. Em Alagoas, Amapá e Rondônia, há uma em cada estado.
Mesmo em estados como São Paulo, que reúne 79 Caps infantojuvenis habilitados e 37 em processo de habilitação, a demanda é muito grande, afirma Valéria Campinas Braunstein, conselheira do Conselho Regional de Psicologia. Estima-se que há pouco mais de 10 milhões de crianças e adolescentes de até 17 anos no estado, o equivalente a 22,6% da população.
Pela lei, os Caps i atendem crianças e adolescentes que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida, como alguns pacientes no espectro autista.
O Ministério da Saúde reconhece que é preciso ampliar o serviço. “Sabemos que ainda é pouco”, afirma à Folha Sonia Barros, diretora do Departamento de Saúde Mental na pasta e professora sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Ela ressalta, porém, o aumento do financiamento e os incentivos para que as prefeituras solicitem a instalação de Caps infantojuvenis. Desde janeiro, foram habilitadas oito unidades, e uma já existente solicitou alteração de funcionamento para atender adultos.
“Temos discutido a possibilidade de consórcio, juntar dois ou três municípios pequenos que não conseguem ter um Caps i e articular um serviço de referência para a região”, exemplifica a diretora. Esse tipo de Caps é indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil habitantes.
Segundo o Governo do Acre, a Rede de Atenção Psicossocial do estado está estruturando junto aos municípios a implantação de um Caps infantojuvenil, e a previsão é iniciar os atendimentos em 2024. Enquanto isso, as crianças que necessitam de cuidado especializado em saúde mental são atendidas na Policlínica do Tucumã, em Rio Branco.
A Secretaria de Saúde de Roraima diz que compete à gestão municipal implantar o serviço. Atualmente, o atendimento de crianças e adolescentes em Boa Vista é realizado no Caps II ou no Caps III. Pacientes de outras cidades são atendidos nos Caps I. Nesses três modelos, o atendimento é dividido com adultos e idosos.
O Governo de Tocantins não respondeu sobre a falta de serviços especializados. No fim de 2019, o Ministério Público do estado obteve uma decisão judicial que determinava a criação de um Caps i em Araguaína. O processo surgiu após a Promotoria encontrar problemas, como estrutura e equipe insuficientes, na assistência a crianças e adolescentes, atendidos à época no mesmo prédio do Caps II.
Em São Paulo, a Secretaria da Saúde reforça que a implantação dos Caps deve partir dos municípios. A pasta diz que há um movimento em nível estadual e federal para melhorar o custeio dos serviços, o que tende a incentivar a implantação de novas unidades. Em julho, o Ministério da Saúde anunciou a atualização dos repasses para os Caps. Pela nova regra, cada Caps i habilitado recebe mensalmente do governo federal R$ 40.840.
“Atualmente, o estado possui 116 unidades de Caps infantojuvenis, das quais 79 estão habilitadas pelo Ministério da Saúde e as demais encontram-se em funcionamento, mas aguardam processo de habilitação para receber custeio federal”, afirma a secretaria. De acordo com a pasta, das 105 cidades paulistas com mais de 70 mil habitantes, 70 têm Caps i.
A expansão de serviços é uma das necessidades para o cuidado à saúde mental de crianças e jovens. Como a Folha mostrou, cidades como São Paulo e Curitiba registram aumento casos de autoagressão e tentativa de suicídio nesse público e a complexidade do problema demanda ações em várias frentes.
Famílias precisam de ajuda
Helena (nome fictício), 59, é a única da família que concede entrevista sobre o que aconteceu. Em 6 de março de 2020, sua neta de 14 anos cometeu suicídio. A mãe da jovem, então com 34 anos, não suportou e tirou a própria vida pouco depois, em 2 de junho.
“Ficamos confusos. Passam mil coisas na cabeça. Será que ela tinha depressão e a gente não percebeu? Será que estava gostando de alguém e ficou com medo de contar? Às vezes, os adolescentes acham que são graves coisas que não são.”
Sua certeza é que a neta estava sentindo algo que ninguém conseguiu perceber. Por isso, ela defende a presença de psicólogos nas escolas e nas unidades de saúde. “Às vezes, a criança não quer preocupar o pai, a mãe”, diz. “A mãe está ali, mas não sabe o que está passando na cabeça do filho.”
Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio e criadora do Mapa da Saúde Mental, que lista serviços públicos de apoio, defende a importância do acesso a essas informações pelas famílias.
“Pai, mãe, quando se depara com esse assunto, deve buscar informações, tentar entender antes de julgar. Pode sentir medo, é normal, mas deve buscar o que leva a essa situação e, se tiver acesso a um profissional da saúde mental, levar a criança para uma avaliação.”
Escolas podem lidar com emoções
Scavacini defende a adoção de protocolos nas escolas. Assim, os professores poderiam saber previamente como vão lidar com a situação, desde a identificação de alunos que precisam de atenção especial até o encaminhamento para profissionais ou serviços especializados, e os estudantes saber a quem recorrer, com quais funcionários podem falar sobre assuntos que os afligem.
Ela e Braunstein também advogam por aulas de educação emocional –para os alunos aprenderem a lidar com frustrações, entenderem seus limites e avaliarem quando é necessário pedir ajuda– e pela presença de psicólogos nas unidades de ensino e nas instituições que atendem crianças no contraturno escolar.
Segundo Barros, um grupo interministerial tem discutido a necessidade de psicólogos nas escolas. Ainda não há um parecer, mas os participantes entendem que os colégios precisam acolher e ouvir os alunos.
“Não se trata de fazer terapia na escola, porque a intervenção terapêutica está fora, na unidade de saúde, no Caps. Mas fazer, sim, essa intervenção de escuta, mediação e encaminhamento.”
Gestores devem ampliar atendimento
Outras medidas recomendadas são a inclusão de psicólogos nas equipes de Saúde da Família e a contratação de profissionais para os serviços já existentes.
“As UBSs têm seus psicólogos, mas em quantidade insuficiente para acompanhar o desenvolvimento da criança e do adolescente. Trabalhei em posto de saúde com 80, 90 pacientes para um profissional”, conta Braunstein. Para ela, o mais acertado seria o acompanhamento individualizado, em parceria com a pediatria.
O aumento no número de serviços de saúde com equipe multidisciplinar, incluindo psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, também é fundamental.
“Ter mais Caps seria ter mais para o mesmo. O que precisamos é ter mais equipamentos, com melhor distribuição pelo Brasil e que ofereçam aos pacientes um atendimento completo para as suas necessidades em todos os períodos e com abordagens específicas”, defende Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Por fim, os especialistas cobram a aplicação da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, sancionada em abril de 2019. Entre outras medidas, a lei prevê a notificação compulsória de violência autoprovocada e a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde quanto ao sofrimento psíquico.
Onde procurar ajuda para crianças e adolescentes?
Unidades Básicas de Saúde
A orientação do Ministério da Saúde é buscar atendimento nas UBSs, onde os casos são avaliados e, se necessário, encaminhados para serviços especializados.
Caps Infantojuvenis (Centros de Atenção Psicossocial)
Os pais ou responsáveis podem levar o jovem diretamente ao Caps Infantojuvenil, que fará a avaliação e, se o caso for mais simples, reencaminhará o jovem à UBS do bairro.
Mapa da Saúde Mental
O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos ou voluntários realizados por ONGs, e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.
CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia no número 188, por chat, por email ou diretamente em um posto de atendimento físico.
Pode falar
Canal de ajuda criado pelo Unicef para que tem de 13 a 24 anos. Além do atendimento personalizado, reúne depoimentos, dicas, testes e guias de autocuidado.