Emendas parlamentares na Saúde – 09/10/2023 – Saúde em Público – Zonatti Apps

Emendas parlamentares na Saúde – 09/10/2023 – Saúde em Público

As Emendas Parlamentares (EP) têm adquirido cada vez maior protagonismo no orçamento da saúde. Segundo Nota Técnica do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em 2014 (ano em que as emendas passaram a ser identificadas no orçamento), sua dotação era de R$7,6 bilhões. Em 2023, esse montante praticamente dobrou, totalizando R$14,6 bilhões. No mesmo período, a participação relativa das emendas no orçamento do Ministério da Saúde (MS) também aumentou, em 4 pontos percentuais, respondendo por 8% da dotação total da pasta.

Embora as EP representem o instrumento constitucional pelo qual os parlamentares participam da elaboração do orçamento, seu crescimento, aliado à obrigatoriedade de sua execução, requer atenção. Isso porque a fiscalização durante e após seu repasse nem sempre é realizada. Um caso emblemático foi no triênio de 2020 a 2022 – período de vigência das Emendas de Relator (RP-9), quando a dotação de RP-9 acumulou R$ 14,7 bilhões. Nessa modalidade de emenda, não há como identificar o parlamentar responsável por sua destinação e tampouco o destino efetivo do montante. Em outras palavras, recursos são enviados para áreas fundamentais para o funcionamento do SUS, mas sem a clareza sobre quais os projetos das diferentes subfunções orçamentárias (como Atenção Primária, Média e Alta Complexidade) receberam a aplicação, nem a sua real efetividade

Por conta disso, e em razão do seu escopo e da falta de transparência na destinação dos gastos, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a RP-9 como inconstitucional. Esses recursos foram convertidos para despesas discricionárias (RP-2) e Emendas Individuais (RP-6). Embora essas mudanças tenham sido acertadas, outras práticas discutíveis permanecem. A principal delas está na influência cada vez mais presente de diretrizes políticas em detrimento de critérios técnicos na composição e destinação das emendas.

Saúde foi a pasta com maior volume médio de emendas empenhadas no período de janeiro a maio de 2022 e 2023

Temos acompanhado as constantes negociações entre o Legislativo e Executivo Federal para o avanço de suas respectivas agendas. A maior parte delas envolve o Ministério da Saúde que, por lei, recebe 50% das emendas individuais, o que a torna a pasta mais beneficiada pelas emendas parlamentares. O Boletim n. 5/2023 do IEPS, divulgado nesta segunda-feira (09/10), contribui com essa discussão por meio de três achados relevantes: i) a saúde foi a pasta com maior volume médio de emendas empenhadas no período de janeiro a maio de 2022 e 2023; ii) a maior parte dos recursos foram destinados ao pagamento de emendas individuais; eiii) os valores empenhados foram orientados majoritariamente para gasto corrente.

É esperado que o empenho das emendas individuais seja maioria, mas em 2023, até o momento, elas representaram a totalidade das emendas em saúde. Diferentemente das emendas de bancada e de comissão, as emendas individuais, em geral, abrem margem para interesses políticos particulares, que podem ir contra as necessidades de saúde da população, o gasto eficiente dos recursos públicos e comprometer sua distribuição equitativa entre estados e municípios.

Em outras palavras, os parlamentares, que deveriam atuar no sentido de colaborar com a gestão, adequando os recursos das emendas ao que foi planejado no Executivo municipal ou estadual, em alguns casos não seguem essa regra, viabilizando maiores disparidades regionais pela falta de critério de alocação desses recursos. Essa característica, aliada à falta de transparência na alocação e monitoramento da execução de seus recursos, dificulta a sua gestão eficiente e impossibilita a avaliação das ações. Dessa forma, surgem diferentes indagações: como garantir que esses recursos sejam destinados a municípios com menos recursos e infraestrutura? Como avaliar se estão atingindo os resultados esperados?

A falta de critério na destinação do volume de recursos faz aumentar as disparidades regionais, indo de encontro ao que estabelece a Lei Complementar n. 141/2012, podendo ainda criar dificuldades naqueles entes com baixa capacidade de arrecadação. Por outro lado, há instrumentos que poderiam ser utilizados como mecanismos de avaliação, como o Programação Anual de Saúde (PAS)e o Relatório Anual de Gestão (RAG), mas que são pouco utilizados devido à ineficiência do monitoramento e à falta de integração com os demais instrumentos orçamentários, o que dificulta o acompanhamento e avaliação dos resultados.

É evidente que realizar o monitoramento desses repasses, assim como das demais modalidades orçamentárias, é custoso e possui grandes entraves. Entretanto, negligenciar esse processo é deixar à deriva a saúde de um número cada vez maior de brasileiros e brasileiras, especialmente em um cenário no qual as gestões municipais precisam recorrer a recursos próprios para atender a demanda de saúde da sua população.

Uma das formas de monitoramento desses repasses pode ser desde sua origem. As EP são repassadas majoritariamente por transferências fundo a fundo, isto é, através do Fundo Nacional de Saúde (órgão vinculado ao Ministério da Saúde, responsável pela execução dos recursos na esfera federal), para os Fundos Municipais de Saúde. Nesses últimos, são os gestores municipais os responsáveis pela sua execução, de acordo com os princípios estabelecidos pela legislação do SUS. Acompanhar esse processo é uma maneira de identificar se as emendas estão seguindo uma trajetória de encontro aos princípios estratégicos estabelecidos pelos gestores.

Além disso, o próprio objetivo das EP é desvirtuado quando hoje esses recursos complementares, que deveriam reforçar ou promover as políticas públicas de saúde nas diferentes regiões e contribuir para a redução das desigualdades, são usados para pagamento de pessoal e não para investimentos – o que tem sido observado na prática.

Além da ampliação do orçamento da saúde no Brasil, visando apoiar os municípios na sua sustentabilidade financeira, é necessária a soma de esforços das diferentes instituições, de órgãos fiscalizadores a gestores municipais e estaduais, para qualificar a destinação das emendas e diminuir a preponderância de interesses individuais e/ou privados em relação às necessidades de melhorias da saúde pública brasileira.

Mais do que somar esforços, é fundamental que esses atores atuem de forma integrada, conectando instrumentos de planejamento e orçamento. Essas mudanças são fundamentais para o aperfeiçoamento da governança e do compliance, pois garantem transparência à sociedade sobre como os recursos públicos são transformados em serviços de qualidade à sua disposição. Em resumo, através desse conjunto de iniciativas, seguiremos para um SUS mais resolutivo, que possa atender a toda população brasileira, sobretudo, os mais necessitados.

Victor Nobre é Assistente de Relações Institucionais do IEPS; Marcella Semente é Analista de Relações Institucionais do IEPS; Antonio Carlos Junior é Assessor técnico e coordenador de Administração e de Finanças do CONASS e ex-diretor executivo do Fundo Nacional de Saúde – FNS


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