Você já se desligou alguma vez?
Talvez já tenha experimentado a hipnose da estrada, sem lembrar-se de ter dirigido do ponto A ao ponto B. Ou talvez você não tenha nenhuma memória do que acabou de ler.
Essas são formas leves de dissociação, que é a capacidade de se desconectar dos pensamentos, sentimentos, ambiente ou ações.
A dissociação até pode ajudar os atletas a desempenharem suas funções, por exemplo, porque “permite que as pessoas se concentrem nos aspectos mais relevantes ou de preservação da vida em uma determinada situação” sem interferência mental, diz Janina Fisher, psicóloga que trata de transtornos dissociativos há décadas.
Mas, às vezes, as pessoas experimentam uma forma grave de dissociação, principalmente após um trauma avassalador. Nesse caso, os sintomas dissociativos se tornam mais extremos e frequentes.
A fascinação pública pela dissociação e seus transtornos tem perdurado por muitos anos — exemplos incluem os livros “Sybil” e “As Três Faces de Eva”, ambos adaptados para filmes de grande sucesso, cada um sobre uma mulher com “personalidades múltiplas”.
Agora as pessoas estão registrando suas experiências com a dissociação e compartilhando-as nas redes sociais. Vídeos do TikTok com a hashtag #transtornodissociativodeidentidade, ou TDI, foram visualizados mais de 1,7 bilhão de vezes e #dissociação recebeu mais de 775 milhões de visualizações.
Alguns mostram como é a dissociação, ou usam efeitos visuais para explicar a sensação sinistra de viver fora do próprio corpo. Em outros, as pessoas descrevem suas identidades diferentes, também chamadas de alter egos ou partes.
Celebridades como Bowen Yang, membro do elenco do “Saturday Night Live”, também já descreveram abertamente suas lutas contra os transtornos dissociativos, à medida que as conversas sobre saúde mental continuam migrando para fóruns públicos.
Mas pesquisas sugerem que grande parte desse conteúdo não está fornecendo informações confiáveis. Pedimos a vários profissionais de saúde mental que explicassem mais sobre a dissociação.
Quais são os transtornos dissociativos?
Em vez de lutar ou fugir em uma situação estressante ou ameaçadora, algumas pessoas “congelam”, diz Frank Putnam, professor de psiquiatria clínica na Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte e especialista em transtornos dissociativos. “Isso é o estado dissociativo em que você se desliga e meio que desaparece.”
Embora a dissociação possa ajudar uma pessoa a escapar mentalmente durante uma ameaça, ela pode interferir na vida cotidiana quando as pessoas continuam a se dissociar em situações benignas. Algumas pessoas podem se encontrar em um local novo sem saber como chegaram lá, por exemplo.
Experiências frequentes como essa tornam a dissociação patológica, disse Putnam. Ela se torna um transtorno quando você fica distraído e “perde tempo” por tempo suficiente para interferir significativamente em sua vida, acrescentou.
Os três transtornos dissociativos mais comuns e conhecidos são: transtorno dissociativo de identidade, transtorno de despersonalização/desrealização e amnésia dissociativa.
O fio comum em cada um deles é uma interrupção da identidade.
O mais grave é o transtorno de identidade dissociativa, anteriormente conhecido como transtorno de personalidade múltipla. Aqueles que experimentam o TDI relatam ter duas ou mais identidades. Estudos indicam que cerca de 1% a 1,5% da população tem TDI. Mas alguns dizem que a prevalência pode ser maior.
“Acho que é muito subdiagnosticado”, diz Judith Herman, psiquiatra e pioneira no campo dos estudos sobre trauma. Isso se deve em grande parte ao fato de que “ainda se ouve pessoas da minha área dizendo que não ‘acreditam no TDI'”.
Apesar da inclusão do TDI no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição, conhecido como DSM-5, o manual oficial da Associação Psiquiátrica Americana para transtornos mentais, alguns psiquiatras e psicólogos acham que os pacientes com sintomas de TDI na verdade têm transtorno de personalidade borderline. Outros acham que é uma moda passageira ou que pode ser induzido por um profissional.
A experiência de um trauma grave na infância, como abuso sexual, é um preditor para o desenvolvimento do TDI, disseram vários especialistas.
Fisher reconheceu que “é um diagnóstico difícil de acreditar, a menos que você tenha visto”. Os pacientes mostram mudanças na linguagem corporal, expressão facial e capacidade cognitiva, acrescentou. “É algo dramático e quase fantástico.”
A prevalência da amnésia dissociativa não está bem estabelecida. Ela ocorre em resposta a uma variedade de diferentes tipos de trauma e envolve ter períodos de tempo em que você perde sua identidade e não consegue se lembrar de informações importantes sobre sua vida, como seu próprio nome.
Tanto a amnésia dissociativa quanto os sintomas de despersonalização/desrealização frequentemente acompanham o TDI.
Por que os transtornos dissociativos estão chamando tanta atenção?
“Eu pensava que a internet e o mundo baseado em aplicativos nos aproximariam. E teve exatamente o efeito oposto”, diz David Spiegel, professor de psiquiatria da Universidade de Stanford, que trabalha com pacientes com TDI há cerca de 50 anos. “Isso nos fragmentou.”
O que ele quer dizer é que muitos de nós se isolaram em nossas próprias câmaras de eco online. Algumas pessoas realmente têm TDI, mas outras podem estar se rotulando incorretamente porque estão presas em um ciclo de informações sobre TDI —seja por escolha ou por meio de um algoritmo agressivo das redes sociais.
A ideia de ter realidades alternativas ou identidades diferentes é algo que pode ressoar especialmente durante a adolescência, dizem os especialistas, um momento em que muitos adolescentes lutam com a pergunta “Quem sou eu?”.
David Rettew, psiquiatra de crianças e adolescentes e diretor médico do Lane County Behavioral Health em Eugene, Oregon, trabalhou com muitos adolescentes que aprenderam sobre transtornos dissociativos nas redes sociais e estão questionando se eles têm esses transtornos.
Rettew incentivou qualquer pessoa curiosa sobre um transtorno específico a conversar com um provedor de cuidados de saúde atencioso e ponderado, especialmente alguém que entenda de trauma, para descobrir o que pode estar acontecendo.
“Quase tudo na saúde mental é dimensional. Isso existe em um espectro”, disse ele. “E isso não torna nossas condições menos reais, mas as torna mais complicadas”.