Em 2023 foi a terceira vez que a escritora americana Julia Quinn pisou no país, mas ela ainda não conseguiu se acostumar com o assédio dos fãs.
Foi necessária a contratação de intérpretes para que ela pudesse se comunicar com uma legião de leitores enlouquecidos principalmente com o lançamento Rainha Charlotte (R$ 35, 352 págs, Arqueiro), escrito a partir de uma série derivada dos romances Os Bridgertons — responsáveis por catapultar Julia ao posto de best-seller do The New York Times, após virarem febre na Netflix.
“Definitivamente aqui é o lugar onde vendo mais livros depois dos Estados Unidos”, disse ela ao R7, em entrevista concedida nos bastidores da Bienal do Livro do Rio, no último mês. Julia também destacou a importância das redes sociais para a literatura. “Os jovens podem criar laços de uma forma que eu não tinha, e eu acho isso incrível. Vão salvar os editores.”
Como foi sua terceira experiência aqui no Brasil?
Julia Quinn — Foi muito louco. As pessoas gritavam meu nome. Desculpe, isso é engraçado. Foi um pouco impressionante. Os fãs no Brasil são extras, são incríveis, eles ficam muito animados. Me disseram: ‘Deus, precisamos de um tradutor, o que está acontecendo?’ [para que ela pudesse interagir com os fãs na Bienal do Rio] Sim, sim, é tudo isso.
Você costuma conversar com seus fãs brasileiros nas redes sociais. Como é?
Não sei escrever em português, mas, usando o tradutor no Instagram e no Facebook, é bem legal. São sempre tão adoráveis. Dizem: ‘estamos aqui, amamos você!’
Gostaria de falar um pouco sobre seu novo livro, Rainha Charlotte. Como foi a ideia e o desenvolvimento desse novo projeto?
Há cerca de um ano e meio, recebi uma ligação da Shonda [Rhimes, roteirista que adaptou Bridgertons para o streaming], o que é sempre muito emocionante, e ela disse que a Netflix tinha acabado de confirmar que iríamos vamos fazer esse spin-off [série derivada] sobre a personagem. Fiquei surpresa e emocionada. E então meu marido disse: ‘Você precisa escrever o livro. E eu disse ‘Bem, isso é loucura’. Quer dizer, eles fazem filmes a partir de livros, não fazem o contrário, certo? E então pensei um pouco sobre isso. Bridgertons foi escrita por uma sala de escritores, mas foi ela mesma [Shonda Rhimes] que escreveu Rainha Charlotte e me enviou os roteiros. São seis, e eu tive que descobrir como transformá-los em um romance. E é muito parecido com um quebra-cabeça, porque você desmonta as peças e as monta novamente.
Quando você percebeu que deveria ganhar a vida como escritora?
Entrei na faculdade de medicina [em Yale] no mesmo mês em que consegui publicar meu primeiro livro. E então adiei a faculdade. Por um tempo, pensei: ‘Ah, vou ser escritora’. Mas entrei em pânico e voltei. Depois que tentei a medicina, pensei: ‘Não, isso não está certo’. E sempre pensei que conseguiria ganhar a vida. Em parte porque romance é um campo popular. Não era como se eu estivesse tentando ser poeta. Então eu sabia que havia uma boa chance.
E como foi colocar essa decisão em prática?
Foi muito fácil. Sempre há essa sensação de que, quando você é médico, nunca está atualizado. Pelo menos quando você é escritor você vê o livro e pensa: ‘Estou em dia!’. Gosto da escrita, mas também da parte comercial, de como ela é flexível. Pude estar muito presente para os meus filhos. E minha família me apoiou muito. Ninguém disse: ‘Não faça isso’.
Quando você se deu conta de que era muito famosa?
Mesmo antes de o programa de televisão ser lançado, se eu estivesse em eventos de livros, as pessoas me reconheceriam. Mas agora, se eu estiver em um supermercado, ninguém me reconhecerá.
Em que país estrangeiro você é mais reconhecida?
Depois dos Estados Unidos, definitivamente o Brasil. É onde eu vendo mais livros depois dos EUA.
Como é seu dia a dia de trabalho?
Eles são todos diferentes. Só recentemente que eu tenho um ninho vazio. Por muito tempo eu cuidei dos meus filhos, então, olhava todos os dias e pensava: ‘Quando terei tempo para escrever?’ E cada dia é diferente quando você tem uma família.
Você tem um favorito? E qual é o favorito dos seus fãs?
Não tenho porque cada um deles tem algo especial para mim. Há alguns que me parecem ser mais favoritos dos fãs do que outros, mas estou muito orgulhosa de que em cada livro que escrevi.
Você escreve sobre mulheres fortes. Qual a mensagem feminista que sua obra passa?
Que você é importante. Você merece coisas boas. Você merece ser bem tratada. É muito simples. Minhas personagens não estão necessariamente lutando por uma causa política específica, eu só quero escrever livros onde todos tenham valor.
Qual é o desafio de escrever romances históricos?
É equilibrar a história com algumas sensibilidades modernas, para tornar seus personagens relacionáveis ao público de hoje. Há um certo equilíbrio aí.
Como sua vida mudou depois do sucesso de Bridgertons?
O mais importante é que, quando alguém pergunta o que eu faço, as pessoas me reconhecem. Mesmo sendo uma autora best-seller do The New York Times, eu poderia dizer que era escritora, mas as pessoas não necessariamente reconheciam. Essa sensação de ter feito algo que entrou em grande escala na cultura mundial é estranha, ouvir as pessoas fazendo piadas sobre você na TV tarde da noite.
Qual o papel dos jovens no mercado literário hoje em dia?
É enorme. A leitura simplesmente decolou de uma forma que talvez estivesse acontecendo, mas não de forma tão visível. Quando eu era mais jovem, adorava ler romances, mas não conhecia mais ninguém que gostasse. E então a capacidade de compartilhar o amor pela leitura começou a explodir com as mídias sociais. Os jovens podem criar laços de uma forma que eu não tinha, e eu acho isso incrível. Vocês vão salvar os editores.
Qual você acha que é a importância social do seu trabalho?
Não é meu objetivo criar algo necessariamente de importância social. Se for, isso é maravilhoso, mas meu objetivo é proporcionar a alguém um entretenimento realmente bem escrito.
De Nárnia a Macondo, estandes da Bienal do Rio apostam em cenários temáticos para viralizar na internet