Diligências feitas pela Defensoria Pública de São Paulo em hospitais públicos que oferecem o serviço de aborto legal no estado apontam que nenhum deles realiza a interrupção da gravidez acima de 22 semanas, mesmo em casos previstos em lei.
E mais: houve unidade que afirmou que, a depender do tempo gestacional, e ainda que ele seja inferior a 22 semanas, orienta as pacientes a seguirem com a gravidez e a ficarem com o recém-nascido —ou a encaminhá-lo para adoção, apesar de a lei prever a interrupção em casos de estupro, risco à vida materna e feto anencéfalo.
Os resultados do levantamento, feito pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública, constam em uma ação civil pública apresentada pelo órgão contra o Estado de São Paulo.
As defensoras Nálida Coelho Monte e Tatiana Campos Bias Fortes acusam a unidade da federação de não garantir o pleno acesso a orientações sobre o aborto legal, seja à população ou aos seus profissionais de saúde, e de ferir os direitos de meninas e mulheres que buscam atendimento junto ao SUS (Sistema Único de Saúde).
O órgão visitou dez hospitais, que representariam 50% de todas as unidades do estado aptas a fazer o aborto legal. O número, afirma a Defensoria, é estimado, já que a Secretaria de Saúde de São Paulo não quis fornecer uma lista com todos os locais em que o serviço está disponível.
As defensoras afirmam à Justiça que mesmo o site da pasta não traz informações sobre o procedimento nem os hospitais e endereços em que ele pode ser encontrado. “As mulheres e meninas vítimas da violência sexual, além de sofrerem pela dor indelével de terem seus corpos violados, muitas vezes não conseguem ter informações e cuidado de qualidade na área da saúde”, diz a ação.
A Defensoria Pública sustenta que a falta de transparência contribui para tornar o aborto legal inacessível, uma vez que aquelas que buscam o procedimento não são informadas sobre seus direitos. O fato de profissionais de saúde também não estarem cientes do que pode ou não ser feito gera obstáculos, destaca.
“A ausência de informações precisas aumenta o tempo de peregrinação das mulheres e das meninas em busca do tratamento médico, o que prolonga a gravidez indesejada, criando maiores dificuldades para garantir a interrupção de gravidez tardia”, afirma a ação. “Essa situação configura omissão ilegal.”
O órgão afirma que o cenário é “dramático”, dados os altos índices de estupro e de estupro de vulnerável no país. “De acordo com dados do Ministério da Saúde, são mais de 19 mil nascidos vivos por ano de mães com idade entre 10 e 14 anos. Meninas que, em tese, teriam direito ao aborto legal no Brasil”, diz.
A ação civil pública ainda chama a atenção para o número irrisório de abortos legais realizados nos hospitais públicos de São Paulo nos últimos anos. Considerado referência para 102 municípios do interior paulista, o Hospital de Rio Preto fez oito interrupções no ano passado, sete em 2022 e cinco em 2020. O número anual de abortos legais ficou entre cinco e seis em outras quatro unidades de referência.
A Defensoria também identificou que em muitos dos hospitais ainda é realizado o procedimento de curetagem, que deixou de ser recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) há mais de dez anos.
“Praticamente nenhum dos hospitais visitados realiza capacitação e formação de profissionais, seja em relação à legislação sobre aborto legal, direitos humanos das mulheres ou mesmo as alternativas técnicas”, relata o órgão. “Dentre as questões passíveis de dúvidas, a maior delas gira em torno do limite da idade gestacional para interrupção da gestação.”
Um hospital localizado em Presidente Prudente, por exemplo, disse realizar o aborto legal até a 14ª semana, mas ter dúvidas acerca do limite recomendado.
As defensoras afirmam que o “cenário de desinformação” sobre o prazo para a interrupção legal “foi acentuado nos últimos anos”, depois de o governo de Jair Bolsonaro (PL) editar uma norma que tratava como crime todo e qualquer aborto legal realizado após a 22ª semana.
Elas esclarecem, no entanto, que a norma em vigor do Ministério da Saúde diz que o fator principal a ser levado em consideração em um aborto nos casos previstos em lei deve ser “a intenção deliberada de interromper a gravidez”. A pasta também afirma que “a legislação brasileira não estabelece um limite de tempo gestacional para aborto legal”.
Ao se manifestar sobre a ação, o Ministério Público de São Paulo deu parecer favorável às demandas da Defensoria Pública por mais transparência no fornecimento de informações e capacitação de profissionais de saúde e hospitais do estado.
“A transparência ativa, o direito à informação e o dever do Estado em promover a saúde conjugam-se perfeitamente na ação concreta —e de fácil execução pela administração pública— de tornar as informações pertinentes ao aborto legal públicas, de maneira clara e objetiva, no site oficial da Secretaria Estadual de Saúde”, afirmou a promotora de Justiça Dora Martin Strilicherk.
“Cada dia de gestação importa em mais sofrimento físico e psíquico nos casos de gravidez fruto de violência sexual, daquelas que implicam graves riscos de saúde a quem gesta e das que são inviáveis”, disse ainda.
Procurada pela coluna, a Secretaria de Saúde de São Paulo não respondeu até a publicação deste texto.
PIPOCA
A atriz Vera Holtz recebeu convidados na pré-esteia do filme “Tia Virgínia”, protagonizado por ela, no Cine Marquise, na capital paulista, na semana passada. A atriz Helena Ranaldi prestigiou a sessão. O diretor do longa, Fabio Meira, passou por lá.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH
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