Com tanta picaretagem e ficção científica mal disfarçada por aí quando o assunto é longevidade ou, Deus nos livre, “imortalidade”, encontrar um autor que aborda o tema com os pés no chão e algum cérebro é um alívio.
Essa é a principal virtude de “Outlive: A Arte e a Ciência de Viver Mais e Melhor”, livro escrito pelo médico canadense Peter Attia em parceria com o jornalista Bill Gifford.
Esqueça esse negócio de que um dia vamos todos viver bem mais de um século, diz Attia. A ciência atual ainda está muito longe de sequer vislumbrar essa possibilidade como algo realista.
Para ele, tanto médicos quanto pacientes estariam ocupando muito melhor o seu tempo se traçassem uma estratégia para enfrentar o que ele enxerga como o grande calcanhar-de-aquiles da saúde humana hoje: a expectativa de vida média aumentou muito, mas as décadas finais de vida da maioria das pessoas são, em geral, qualitativamente péssimas.
O problema é bem conhecido. Em suma, avanços em áreas como saneamento básico, vacinação e antibióticos fizeram com que o Homo sapiens praticamente vencesse a sua eterna guerra contra micróbios e vírus.
As pessoas pararam de morrer de doenças infecciosas na infância e juventude e começaram a sucumbir, em geral na velhice, a enfermidades crônicas. Hoje, a maioria esmagadora da população morre de problemas cardiovasculares, câncer, diabetes e distúrbios neurodegenerativos.
A proposta do livro é que esse quadro não deveria ser inevitável. Seria possível, defende Attia, oferecer a uma gama ampla de pessoas a mesma qualidade de vida de que gozam aqueles que chegam com saúde aos cem anos de idade. Só que, para alcançar esse objetivo, é preciso pensar como se pensa em uma guerra, com estratégia e tática claras, bem definidas, mas também flexíveis.
E isso, segundo ele, é algo que a medicina atual (que ele chama de “medicina 2.0”) não é capaz de fazer, por conta de sua falta de foco na prevenção mais precoce possível.
A “medicina 2.0”, lamenta ele, está concentrada demais em tapar buracos abertos pelas doenças crônicas quando elas já se instalaram de forma significativa no organismo. E isso faz com que os médicos que seguem essa abordagem não sejam capazes de fazer a diferença para a saúde do paciente. No máximo, conseguiriam ganhar alguns anos de vida, ou sobrevida, cuja qualidade não será das melhores.
Por isso, argumenta Attia, precisamos de uma “medicina 3.0”, fortemente voltada para a prevenção, que considere que as doenças da velhice na verdade começam a se instalar no organismo quando ainda estamos na casa dos 40 anos, ou mesmo logo depois dos 30 anos.
É aqui que as fragilidades do livro começam a ficar um pouco mais aparentes, ainda que combinadas a uma boa dose de bom senso.
Por um lado, em alguns casos, a tecnologia que permitiria essa detecção hiperprecoce das primeiras células cancerosas ou dos primeiros indícios de problemas cardiovasculares ainda não está disponível —apesar da possibilidade encorajadora de coisas como “biópsias líquidas”, que ajudariam a enxergar esses primeiros sinais do câncer.
Além disso, os autores não discutem até que ponto buscar tratamentos tão precocemente poderia acabar produzindo efeitos colaterais, sem levar em conta que os problemas em fase inicial teriam a chance de não progredir.
Por outro lado, o livro propõe uma abordagem simples, sem invencionices e firulas, para manter a saúde em dia até perto dos cem anos. A receita é exatamente o que todo mundo sabe que deveria fazer, mas não faz: exercícios físicos regulares, alimentação moderada e saudável, sono regular, cuidado com a saúde mental. Fácil, certo?
Na verdade, nem tanto, em especial no caso dos exercícios físicos, já que Attia propõe uma regularidade e uma intensidade muito superior ao que a maioria das pessoas, mesmo com boas condições financeiras, seria capaz de encarar: treinamentos diários aeróbicos, de força, de flexibilidade que às vezes parecem trabalho em tempo integral.
O problema, no fim das contas, é que Attia encara a questão da longevidade com saúde, ao menos nesse livro, como um projeto exclusivamente pessoal, voltado para quem é determinado e sortudo o suficiente.
A questão, porém, é que estamos diante de um desafio que é também populacional e coletivo, já que a idade média da humanidade não para de subir ao longo deste século. Para enfrentar essa situação, vai ser preciso bem mais do que força de vontade e tempo para ir à academia e comer direito todos os dias.