O local onde vivemos, em companhia de nossa estrela, o Sol, e bilhões de outras, a Via Láctea tem revelado seus mistérios graças ao trabalho incansável de astrônomos e à tecnologia dos novos telescópios, terrestres e espaciais, que utilizam diferentes tipos de radiação para captar imagens do nosso quintal galáctico que até então desconhecíamos.
Recentemente, dois estudos, um baseado em informações da nave espacial Gaia da ESA e outro em observações do Telescópio Espacial James Webb (JWST) do consórcio NASA/ESA/CSA, revelaram novas informações surpreendentes que ajudam a atualizar constantemente os dados observacionais da astronomia.
Publicado na revista Astronomy and Astrophysics, o primeiro estudo mostra uma fração significativa de estrelas em fuga da Via Láctea, para seguir uma “carreira solo” no espaço. O segundo estudo revela uma galáxia “sósia” da nossa que fascinou os astrônomos, não só pela semelhança com o nosso sistema astronômico, mas pelo fato de ter se formado logo após o Big Bang, o que contraria todos os conhecimentos sobre galáxias espirais barradas.
Estrelas galácticas O e Be, as fujonas da Via Láctea
Embora já se soubesse que a Via Láctea não consegue reter todas as suas estrelas, essa é a primeira vez que uma equipe de astrônomos resolveu tirar isso a limpo, observando as “fujonas” mais massivas, para ver se conseguem entender como esse fenômeno ocorre.
A Zeta Ophiuchi é uma das estrelas em fuga da nossa Via Láctea.Fonte: NASA/JPL-Caltech
Para isso, usaram o Catálogo Galáctico de Estrelas Tipo O (GOSC) e o Espectro de Estrelas Be (BeSS), todas massivas. Os autores trabalharam também com dados da sonda Gaia, lançada pela Agência Espacial Europeia (ESA) em 2013, para mapear bilhões de estrelas da Via Láctea e criar um catálogo tridimensional rigoroso de suas posições e movimentos.
Para saber se uma estrela está em fuga, eles medem a distribuição das velocidades de um determinado campo estelar. Se o astro não está harmonizado com a distribuição geral da velocidade, que deve refletir a rotação da galáxia, eles passam a rastreá-la.
Quantas estrelas em fuga foram descobertas na Via Láctea?
Cruzando os dados de Gaia com os catálogos GOSC e BeSS, os pesquisadores obtiveram 417 estrelas do tipo O e 1335 estrelas do tipo Be. Do total, foram encontradas 106 estrela do tipo O em fuga (25,4% do GOSC), além de 69 estrelas Be na mesma situação (5,2% do BeSS). Há duas teorias que explicam porque as massivas são maioria nas estrelas em fuga: o cenário de ejeção dinâmica (DES) e o cenário binário de supernova (BSS).
Arte mostra uma estrela com hipervelocidade escapando da Via Láctea.Fonte: NASA/ESA/G. Bacon (STScI)
O cenário BSS propõe que a fuga de estrelas OB, que geralmente formam pares binários, ocorre quando uma delas explode como supernova e ejeta a outra. Se esse for o caso, a estrela sobrevivente recebe um “empurrão” de energia suficiente para escapar da antiga parceira, que evoluirá para uma estrela de nêutrons ou um buraco negro.
Já no cenário DES não ocorre nenhum tipo de explosão dramática. A ejeção dinâmica ocorre quando uma estrela de uma região compacta e densamente povoada experimenta interações gravitacionais com outros corpos celestes. Isso pode ocorrer entre estrelas binárias e estrelas únicas, e também em encontros de dois pares binários.
Uma galáxia parecida com a Via Láctea no início do Universo
Uma equipe internacional de astrônomos, liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia nos EUA, detectou através do JWST uma galáxia parecida com a Via Láctea. Embora seja uma galáxia espiral barrada, como a nossa, é a mais distante desse tipo já observada.
Arte da galáxia espiral barrada ceers-2112, vista no universo primitivo.Fonte: CAB/CSIC-INTA/Luca Costantin
Até agora, era consenso entre os astrônomos que as chamadas galáxias espirais barradas (que possuem uma barra central de estrelas brilhantes no centro) só começaram a existir depois que o Universo atingiu metade da sua idade atual, estimada em 13,8 milhões de anos. Porém, “esta galáxia, chamada ceers-2112, formou-se logo após o Big Bang”, afirmou em um comunicado o coautor Alexander de la Vega.
A barra central de Ceers-2112 é uma estrutura alongada composta por estrelas e matéria de ponta a ponta da galáxia, de onde parecem sair os braços espirais característicos, explica de la Vega. A sua presença em ceers-2112 denota que “as galáxias amadureceram e se tornaram ordenadas muito mais rápido do que pensávamos anteriormente”, conclui o astrônomo.
A importância da descoberta da galáxia ceers-2112
As barras centrais em galáxias, diz de la Vega, podem se forma espontaneamente por instabilidades da própria estrutura espiral, ou por interações gravitacionais com uma galáxia vizinha. Como, após o Big Bang, as galáxias eram naturalmente instáveis e caóticas, “pensava-se que as barras não podiam se formar ou durar muito nas galáxias do Universo primitivo”.
Mapeamento da Via Láctea com destaque para a barra central brilhante.Fonte: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt
No entanto, a descoberta da ceers-2112 mostrou que a formação de barra pode acontecer em um tempo bem menor: “em cerca de um bilhão de anos ou menos”, estima de la Vega. Para ele, isso significa que alguns pontos das atuais teorias de formação e evolução de galáxias têm que ser revistos com urgência.
O primeiro aspecto a se levar em conta é que algumas galáxias se tornaram estáveis para hospedar barras muito cedo na história do cosmos. Em segundo lugar, ceers-2112 é uma prova viva de que barras podem ser detectadas mesmo quando o Universo era muito jovem e as galáxias eram menores. A expectativa é de que mais barras sejam detectadas em futuras pesquisa do universo jovem.
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