Foi na última década que a psiquiatria no Brasil começou a rever prescrições médicas baseadas apenas em antidepressivos. A mudança veio com novos estudos científicos que apontam os benefícios de hábitos saudáveis no tratamento de transtornos psiquiátricos. Entre eles estão atividades que movimentam o corpo, acalmam a mente e melhoram as relações pessoais.
“Hoje entende-se que os transtornos psiquiátricos são multifatoriais, portanto, não respondem a uma única estratégia”, explica o psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).
É preciso considerar os fatores biológicos, que respondem a remédios, psicológicos, tratados com psicoterapia, e sociais, que envolvem o bem-estar no ambiente, nas relações pessoais, no trabalho e no estilo de vida.
“No começo é difícil encontrar motivação, mas com o tempo o corpo se acostuma e começa a ficar prazeroso”, observa o analista jurídico José Victor Sampaio, 32. Seu tratamento contra depressão inclui medicamentos e aulas de teatro e natação. “Mais do que um exercício para o corpo, funciona para mente, pois me concentro em meus pensamentos, servindo como uma espécie de meditação.”
Atividade física também foi prescrita pelo psiquiatra da consultora de vendas Andrea Sanches, 49. Acima do peso e tomando remédios contra depressão, ela voltou a se exercitar e meditar em 2020. Desde então, sente grande melhora. “A cabeça fica mais relaxada, o corpo perde os sintomas de ansiedade, a mente fica leve e os prazeres pequenos voltam a acontecer”, revela.
Estudo de 2022, publicado na JAMA Psychiatry, mostra que a intensidade da prática reduz o risco de depressão. A pesquisa aponta que se as pessoas fossem ativas fisicamente, 11% da depressão incidente seria evitada.
Em 2023, outro estudo, publicado no Journal of Affective Disorders, acompanhou 141 pacientes por 16 semanas e mostrou que, em casos de depressão ou ansiedade patológica, correr duas vezes na semana pode ter efeito semelhante a antidepressivos e ansiolíticos.
Com 120 quilos e com um quadro de depressão, o diretor de cena Fernando Hideki, 32, quebrou a perna durante a pandemia da Covid-19. “A recuperação foi dolorosa e estragou minha cabeça. Consultei três psiquiatras, que só receitavam remédio.”
Foi quando o terapeuta lhe sugeriu voltar ao crossfit. “Comecei a cuidar da cabeça e do corpo e parece que tudo em volta melhorou. Perdi 30 quilos, aumentou minha autoestima e consegui fazer meu trabalho ser notado”, diz Hideki, que se exercita cinco vezes na semana.
A indicação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é movimentar-se ao menos 30 minutos diariamente, cinco dias na semana. Para crianças, são 60 minutos diários. “Todo movimento conta”, observa Danila.
Os benefícios de fazer atividade na academia ou no parque são semelhantes, lembra ele, mas há vários estudos que destacam os pontos positivos da luz solar e do contato com a natureza, que podem ser estímulos.
É assim com o adolescente Daniel Graczyk, 13, que adora passear ao ar livre, associando movimentos a brincadeiras. Com episódios de ansiedade e depressão desde os seis anos, as atividades físicas foram indicadas pelo psiquiatra e pela psicóloga. Ele faz aulas de personal kids, com duração de uma hora, três vezes na semana.
“Aliado aos benefícios da atividade física, há o lúdico, que conduz à liberdade de expressar emoções”, conta a educadora física Maria Eugênia Setim, que acompanha Daniel há três anos. “Ele evoluiu muito.”
A imaginação e a criatividade, destaca a educadora, contribuem para superação de limitações e descoberta de novas potencialidades, como autonomia, socialização e autoconhecimento. “Ele adora e volta para casa com humor diferente. Percebo que a ansiedade sumiu. O médico fala muito da melhora dele”, diz a mãe de Daniel, Fernanda Suchla.
Patrícia Piper, psiquiatra especialista em psicologia, reforça os benefícios das terapias complementares na rápida remissão dos sintomas ansiosos, no uso de doses medicamentosas menores, menor chance de recaídas e melhor qualidade de vida. “A associação de remédios e terapias funciona muito bem. Os psicofármacos agem em sintomas alvo e promovem sua remissão, mas isso, muitas vezes, não é suficiente para que os pacientes se sintam bem.”
Outra grande aliada nos tratamentos é a alimentação balanceada. Danila lembra que produtos ultraprocessados, como bolachas, refrigerantes e salgadinhos, podem provocar inflamação no intestino, que por sua relação com o cérebro facilita o risco de transtornos psiquiátricos.
O ideal é optar por alimentos in natura (como leite, ovos, frutas, verduras e carnes) ou minimamente processados (como grãos integrais, arroz, feijão, farinhas e massas frescas).
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