Segundo um relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da OMM (Organização Mundial de Meteorologia), o calor é um dos maiores problemas de saúde em todo o mundo e mata cerca de 15 milhões de pessoas por ano.
Apenas na Europa, durante o verão do ano passado foram mais de 61 mil mortes, de acordo com um estudo feito por cientistas de um instituto de saúde francês e do ISGlobal (Instituto de Saúde Global de Barcelona), publicado na Nature Medicine.
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Agora, no Brasil, 15 estados e o Distrito Federal estão sob alerta vermelho (grande perigo) do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), devido à onda de calor.
Cidades como São Romão e Coronel Pacheco, em Minas Gerais, já atingiram a marca de mais de 40ºC. O Rio de Janeiro chegou aos 36,8ºC, mas teve sensação térmica de 58,5ºC em Guaratiba, na zona oeste da cidade.
Mesmo com esse número, não é comum ver um alto número de mortes, como ocorre na Europa. Portanto, é correto afirmar que os brasileiros são mais resistentes ao calor?
Yuri Silva, biólogo e diretor técnico do Instituto Mapinguari, explica que, primeiro, é preciso entender que os dois tipos de calor são diferentes.
“No Brasil, o calor é mais úmido, porque temos, apesar de reduzidas e ameaçadas, as florestas tropicais: a mata atlântica, a Amazônia, o cerrado — como berço das águas —, o Pantanal. Todos esses ecossistemas mantêm a umidade do ar elevada, e ela favorece a transpiração, o suor, que é um mecanismo de controle de temperatura. Isso não acontece na Europa, o calor lá é mais seco”, explica.
Há também a diferença do solstício de verão, época do ano em que os dias ficam mais longos. No Hemisfério Norte, ele acontece em junho, e a média de exposição solar é de 16 horas por dia. Para fins comparativos, em dezembro, quando ele chega ao Hemisfério Sul, a exposição é de cerca de 12 horas.
“O dia é mais longo e a noite é mais curta, então tem menos tempo para a temperatura das casas, da cidade de modo geral, diminuir. Quando começa a diminuir, já é dia de novo e já chega uma nova exposição”, diz Silva.
As casas também são um problema, já que, na Europa, são construídas para reter calor. No Reino Unido, por exemplo, segundo dados do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial, apenas 5% das casas têm ar-condicionado, e a maioria é portátil.
A população europeia também é mais velha, o que dificulta ainda mais a adaptação. Segundo a OMS, já no ano que vem o número de pessoas com 65 anos no continente superará o de jovens com menos de 15 anos.
Mas o que mais impactou os países foi a alteração brusca nas condições climáticas — o corpo não consegue responder e se reequilibrar. No ano passado, na França e na Itália, por exemplo, a média da temperatura subiu 2,43°C e 2,28°C, respectivamente.
Por todos esses pontos, o correto é dizer que os brasileiros estão adaptados às próprias condições climáticas e tem certas “vantagens” se comparados aos europeus.
Porém, apesar de não chegarem a óbito, as populações mais vulneráveis do país já sofrem com as altas temperaturas, com queimadas e chuvas fortes, por exemplo.
Mas, afinal, qual o limite?
Em questão de calor, é importante ressaltar que toda a espécie tem um limite estabelecido. O ser humano é homeotérmico, ou seja, independentemente da temperatura externa, a interna se mantém relativamente constante: entre 35,5°C e 36,5ºC.
O controle é feito por meio dos sistemas nervoso central e circulatório. Os sensores de calor do corpo enviam sinais para o hipotálamo, região do cérebro que aciona respostas fisiológicas de controle, como aumento da transpiração e respiração acelerada (expiração do ar quente).
Quando considerada a temperatura externa, o limite para o corpo, segundo o Índice de Bulbo Úmido — Termômetro de Globo, fica entre 35ºC e 37ºC. A partir dela há um desconforto considerável, e o mecanismo termorregulador do corpo pode ficar sobrecarregado — é importante frisar que a tolerância varia de pessoa para pessoa.
“A exposição prolongada a temperaturas acima de 40ºC pode levar a problemas sérios de saúde”, alerta Roberto Yano, cardiologista e especialista em estimulação cardíaca artificial pela SBCCV (Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular) e AMB (Associação Médica Brasileira).
É por esse motivo que o calor extremo é um alerta. Ele faz mal ao corpo humano, principalmente ao sistema circulatório, por uma série de motivos.
“O coração bate mais rápido quando está muito quente, para tentar controlar a temperatura e também pela desidratação. Por ele bater mais rápido, gasta mais energia e mais oxigênio do que precisaria”, explica Hélio Castello, cardiologista e coordenador da hemodinâmica do Centro Especializado em Cardiologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
As artérias também se dilatam, para equilibrar a temperatura corporal. Essa dilatação causa uma queda da pressão arterial.
“O terceiro fator, que também atinge toda a parte circulatória, é que, quando está muito quente, nos desidratamos. Quem transporta mais água no nosso corpo é o sangue, então, uma vez que você perde água, teoricamente, tornaria o sangue um pouco mais concentrado, mais viscoso. Isso aumenta o risco de formar coágulos, que podem entupir algum vaso”, afirma Castello.
E acrescenta: “Por fim, em temperaturas muito extremas mesmo, muitas vezes, ocorre uma inflamação de toda a parte circulatória e respiratória”.
Isso significa que qualquer pessoa, exceto crianças, sob condição de calor extremo tem maior risco de sofrer um infarto (quando um coágulo bloqueia o fluxo sanguíneo para o coração) ou AVC (quando vasos que levam sangue para o cérebro entopem ou se rompem).
“A desidratação e a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos podem contribuir para a diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, elevando a probabilidade de eventos cerebrovasculares”, explica Yano.
A sobrecarga do coração também aumenta o risco de arritmia cardíaca (batimentos irregulares) e insuficiência cardíaca. Isso porque, além do “trabalho dobrado” do órgão, o corpo perde eletrólitos pelo suor, como sódio e potássio, fundamentais para manter a função cardíaca normal.
Por isso, Castello recomenda às pessoas que bebam muita água e fiquem atentas a batimentos mais acelerados que o normal neste calor, que podem ser um alerta para desidratação. Idosos e crianças, especialmente, se desidratam com mais facilidade.
Yano complementa que as pessoas devem evitar bebidas alcoólicas, que acentuam a desidratação, e ficar atentas aos sinais da falta de água: tontura, fraqueza, náusea e confusão mental.
* Sob a supervisão de Giovanna Borielo
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