O amor se nos revela não como esperamos, mas como ele pensa ser mais conveniente, não no momento em que a vida nos regala com a maturidade, mas nas curvas perigosas da estrada, quando temos a ilusão de conhecer bem o percurso. Essas aventuras, quase sempre tão ruinosas e tão comuns no legítimo sentimento amoroso, não deixam de ser um convite ao devaneio, e é aí que, paradoxalmente, “Novos Ricos” começa a ganhar relevância.
Julien Royal, um diretor em franca ascensão no cenário artístico francês contemporâneo, ainda não tem muito a apresentar além de outro longa, “A Viagem de Heidi e Cokeman” (2021) e duas curtas-metragens, todos algo monocórdios ao tratar das relações humanas mirando seu lado disfuncional, feio, teratológico até, sem que isso signifique pesar a mão, muito pelo contrário. Royal decerto se valeu dos barracos públicos entre os pais, Ségolène Royal e François Hollande, políticos muito conhecidos e respeitados entre a esquerda da França, uma das mais racionais do mundo, a fim de poder tornar palpáveis as idas e vindas de um casal, e no caso dos protagonistas de seu filme, acrescer uma dose generosa de marginalidade. Seu texto, escrito em colaboração direta com Nassim Lyes, é a fina flor do nonsense ao se debruçar sobre a rotina de um casal bastante esdrúxulo, unido no propósito de enriquecer pela habilidade invulgar de dar golpes, até que a sedução de dobrar a aposta os empurra para um abismo de incertezas e violência. Tudo com humor, ironia deboche, sarcasmo.
Um homem bonito (e mal-ajambrado) dança numa boate. Ele quer se aproximar de uma moça sentada na ala privativa do estabelecimento, chega-se cada vez mais, até que, quase como se disso dependesse sua vida, senta-se junto a ela, com quem a passa a falar de muito perto. Youssef, a figura ensaboada vivida pelo próprio Lyes, dedica-se a um dos ofícios mais velhos do mundo, engambelar pessoas, socorrendo-se para isso da beleza, do charme e do dom de agradar, lembrando aquela outra categoria de profissionais veteranos na face da Terra. Lyes empresta a seu antimocinho toda a beleza de músculos bem-feitos dispostos num corpo bronzeado, tudo enriquecido por um par de olhos verdes, e munido desses predicados, ele rouba alguns instantes da atenção da garota, que começa a se aborrecer e socorrida por ninguém menos que o lutador de artes marciais mistas Ciryl Gane, à mesa com ela desde o início.
Royal estabelece, já nessa primeira abordagem, um adequado tom de farsa, como se Youssef e Stéphanie, a anti-heroína de Zoe Marchal, não tivessem o mesmo DNA de vigarista. Paulatinamente, o diretor vai dirimindo qualquer suspeita residual dessa natureza até fazer a narrativa desembocar na sequência em que Youssef e Stéphanie surgem disputando uma partida de pôquer num cassino improvisado nas instalações de um galpão escuro e abafadiço. Ele aposta o Rolex Daytona de trinta mil euros, perde, tem início uma sessão de pancadaria com lutas muito bem-coreografadas que por seu turno evoluem para perseguições na ponte d’Ivry e nas arredores da Place de l’Opéra, com efeitos visuais impecáveis.
“Novos Ricos” tem lances deveras engraçados, como as cenas em que os personagens de Lyes e Marchal descobrem sua natureza em comum e assim mesmo tentam se sabotar, ou, na iminência do encerramento, estão tentando desvencilhar-se de um motoqueiro infernal e escapam de um final trágico por pouco. Até nessa hora, Royal encontra um meio de zombar de nosso tolo apego à vida, que nunca se importou muito com o que pensamos ser ou não urgente.
Filme: Novos Ricos
Direção: Julien Royal
Ano: 2023
Gêneros: Comédia romântica
Nota: 7/10