“Não tem um motivo para não existir um método de prevenção de ISTs voltado ao sexo entre vulvas, a não ser a invisibilização”, ressalta Gisele Palma, educadora sexual e criadora de conteúdo. Todas as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) podem ser passadas durante o sexo entre mulheres. Porém, os preservativos foram pensados para o pênis, e os métodos de prevenção no sexo entre pessoas com vulva são improvisados.
“Não é nada prático e bonito pegar uma luva para cortar no meio e ficar segurando para roçar as vulvas. Não é atrativo para as pessoas”, conta Palma.
Bárbara dos Santos, ginecologista e especialista no atendimento à diversidade, explica que a transmissão de ISTs acontece por atrito. “Seja o atrito vulva-vulva, seja o atrito dedo-vulva, ou no sexo oral, em qualquer um deles, existe atrito e microfissuras não visíveis a olho nu, por onde os vírus podem ser transmitidos”, afirma.
No entanto, a exposição pode ser menor no sexo entre vulvas, devido à área de contato. “Na penetração pênis-vagina, o pênis tem uma área de contato maior por estar dentro da vagina”, diz.
Santos explica que a melhor proteção contra ISTs é o preservativo e, como ele foi pensado para o pênis, as opções são limitadas no sexo entre vulvas. Entre os métodos de proteção de barreira, a ginecologista orienta usar papel filme ou cortar uma camisinha, de forma que ela vire uma folha, e colocar sobre a vulva para o sexo oral. Também pode ser usado uma folha de látex, chamada dental dam, que normalmente é utilizada em procedimentos odontológicos.
No sexo dedo-vulva, existem preservativos para dedos que são vendidos em sex shops, e luvas também podem ser usadas. Já no sexo vulva-vulva, Palma conta que a proteção de barreira “é praticamente impossível”. “A tesourinha, para muitas pessoas, já é algo difícil para encaixar, ainda mais segurando ali uma camisinha entre as duas”, diz.
Para esses casos, a educadora sexual cita a iniciativa Vulvarnés que produz calcinhas em que o preservativo pode ser encaixado por meio de botões de pressão. “Apesar de termos esses inícios de movimentos pensados para o sexo entre vulvas, eles ainda são muito pontuais e inacessíveis para a maioria das pessoas, ainda são coisas que a gente tem que pagar”, afirma.
Além do preço, alguns métodos de barreira, como o preservativo para dedos, não são encontrados em farmácias, por exemplo.
A educadora sexual ressalta, porém, que existem outras formas de prevenção, disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), como a testagem de ISTs, a vacinação contra hepatite, contra o câncer de colo de útero (HPV) e a Prep (profilaxia pré-exposição), proteção contra o HIV.
“Tem alguns cuidados que a gente deve ter também que são não compartilhar objetos íntimos, lâmina de barbear, coletor menstrual, usar preservativo quando for compartilhar vibradores”, afirma Palma. “Alguns cuidados antes do sexo são: não escovar os dentes assim que você for transar, porque isso pode machucar a gengiva e causar alguma ferida, e não tirar a cutícula, pois também pode gerar lesões na unha.”
O autoconhecimento e a ida ao ginecologista também auxiliam prevenção. “É preciso observar o seu corpo, seus fluidos, não ter nojo e pudor de tocar na sua própria vulva. Você saber como você é saudável, vai conseguir identificar quando houver alguma alteração”, explica Palma.
Porém, as consultas ginecológicas ainda são constrangedoras para grande parte da população LGBTQIA+. “Quando você vai à ginecologista, a primeira coisa que ela pergunta é qual método você usa e se você diz que não usa, ela pergunta se você está tentando engravidar, quando você diz que não, gera aquela confusão. Isso é uma forma de violência contra os nossos corpos. É como se o que a gente vive não fosse legitimado nem por médicos”, destaca Palma.
Santos entende que esse roteiro da entrevista ginecológica é problemático. “Dependendo do jeito como a pessoa é recebida no consultório, ela sequer vai falar sobre a orientação sexual dela. Ela vai mentir, vai falar que está menstruada e que não quer ser examinada. Tudo depende da entonação, da fala”, afirma.
A ginecologista conta que, para deixar a população LGBTQIA+ confortável e segura, implementou elementos de decoração, como a bandeira do orgulho, e mudou a abordagem nas consultas.
“Eu vou sempre perguntar se eu posso examinar, se a pessoa se sente confortável. No exame ginecológico, eu vou mostrar o espéculo, pegar o menor possível. Se a própria pessoa quiser ela pode introduzir o espéculo e eu examino depois”, diz Santos.
Alguns consultórios podem não ter o espéculo menor para o exame de pessoas que não tiveram penetração, já que isso depende de adquirir instrumentos específicos para esses casos, observa a ginecologista.
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