Um estudo brasileiro mostrou que a chance de morte em pacientes com HIV diagnosticados tardiamente chega a ser 6,17 vezes maior que a de pessoas que descobriram o vírus em estágios iniciais. A pesquisa traz dados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (HCFMRP-USP), de 2015 a 2019, e foi publicada pelo The Brazilian Journal of Infectious Diseases, em outubro.
O material também aponta que casos originários de atendimento em enfermaria (quando já há uma doença oportunista ou crônica instalada) tiveram 87,73% mais ocorrências de morte do que os atendidos fora de uma situação emergencial.
Até setembro de 2022, de acordo com dados do último Relatório de Monitoramento Clínico do Ministério da Saúde, a média de descobertas tardias foi de 29%, chegando a 45% na faixa etária acima dos 50 anos.
As proporções de apresentação tardia de diagnóstico para doença foram de 13% entre indivíduos de 2 a 11 anos de idade, 9% para a faixa etária de 12 a 17 anos, 13% entre aqueles com 18 a 24 anos de idade e 21% de 25 a 29 anos. Dos 30 aos 49 anos, a descoberta em estágio avançado representaram 35% dos diagnósticos, chegando a 45% para a faixa etária de 50 anos ou mais.
Os diagnósticos tardios e muito tardios no Brasil podem dificultar o alcance das metas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que até 2030 pretende erradicar a transmissão da síndrome globalmente.
Bernardo Porto Maia, médico infectologista e supervisor médico do Pronto Socorro do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, entidade que promove evento gratuito sobre o tema neste dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids, para profissionais de saúde, vê o cenário brasileiro com preocupação.
Isso porque, apesar da chegada em 2023 de novos preventivos (capazes de evitar a infecção pelo vírus por até 2 meses) e novas medicações que garantem um tratamento mais simples e com menos efeitos colaterais, o país ainda vê um crescimento nas novas infecções e existência de mortes pela doença —foram 13 mil perdas em 2022.
“Aproximadamente 30% dos nossos pacientes vivendo com HIV são diagnosticados já numa situação de doença avançada. Ter o quanto antes esse diagnóstico e o início do tratamento antirretroviral diminui muito a morbidade, a gente garante que os pacientes tenham menos chance de evoluir com doenças oportunistas ou crônicas relacionadas à infecção pelo HIV a longo prazo”, avalia Maia.
O médico também destaca que a terapia precoce garante uma melhor resposta imunológica e uma redução de mortalidade, bem como um bloqueio na cascata de transmissão do vírus. “O tratamento precoce alcança uma indetectabilidade da carga viral desse vírus no sangue e, por conseguinte, torna esse vírus intransmissível a partir das relações [sexuais ou verticais, como as de gestação] estabelecidas pelas pessoas que vivem com ele. Hoje a gente sabe que indetectável é igual a intransmissível”, reforça o especialista.
O Brasil teve no ano passado 51 mil novos casos de HIV, o que representa uma alta de 24,4% no total de novos registros em relação ao ano anterior, quando deram entrada 40,8 mil novos pacientes vivendo com a infecção. O número representa 5% do montante de 1.088.536 pessoas vivendo com a comorbidade no país.
O aumento de detecção de novos casos em 2022, segundo Maia, pode ser atribuído a diversos fatores, como retomada das atividades após a pandemia de Covid-19 e maior acesso a testagem.
Os diagnósticos tardios e muito tardios no Brasil, por sua vez, podem dificultar o alcance das metas da OMS (Organização Mundial de Saúde), que até 2030 pretende erradicar a transmissão do HIV globalmente.
O Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ AIDS) considera o quadro de transmissões brasileiro longe do ideal. “Os casos de infecções pelo HIV seguem altos no país, apesar de o SUS (Sistema Único de Saúde) oferecer gratuitamente os serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV e da Aids”, diz Claudia Velasquez, diretora e representante do Unaids no Brasil.
Velasquez, que falou por meio de assessoria com a reportagem, destacou ainda que países como Botsuana, Ruanda, República Unida da Tanzânia e Zimbábue, no continente africano, o mais afetado pela pandemia de Aids, já atingiram as três metas 95-95-95 da OMS para o objetivo de 2030.
“Isso significa que, nestes países, 95% das pessoas que vivem com HIV conhecem seu status sorológico; 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estão em tratamento antirretroviral; e 95% das pessoas em tratamento estão com a carga viral suprimida”, afirma a diretora.
No Brasil, conforme relatório da Unaids de 2023, apenas a meta da supressão viral foi atingida. Além disso, 91% das pessoas vivendo com HIV conhecem o próprio status sorológico e 81% têm acesso a tratamento.
Para o infectologista Bernardo Porto Maia, o sistema de saúde como um todo precisa se organizar para conseguir viabilizar um diagnóstico precoce, com testagem facilitada, sem preconceito, e acessível para as populações-chave, como pessoas privadas de liberdade, transexuais e homens que fazem sexo com outros homens.
“Outro grupo que tem se mostrado mais vulnerável, por exemplo, é o de pessoas com idades de 15 a 24 anos, no qual a gente ainda tem um aumento no número de novas infecções. Existe ainda um recorte racial, infelizmente. Tivemos uma redução na mortalidade por Aids, de 2010 até 2020, de 29,9%, porém mais de 60% desses óbitos foram restritos à população negra no nosso país”, diz Maia.
Alguns avanços importantes também foram registrados no país, contudo. A recente incorporação pelo SUS em 2023 das substâncias dolutegravir de 50 miligramas e lamivudina de 300 miligramas em uma única dose deve fazer bastante diferença. “Esse novo medicamento é mais uma possibilidade de aumentar a adesão ao tratamento, pois é uma simplificação do existente, além de evitar efeitos colaterais e manter a carga viral controlada”, afirma Velasquez.
A adoção neste ano de novas diretrizes públicas de saúde também deve trazer melhorias. “Várias mudanças foram incorporadas na atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, o PCDT. O documento foi dividido em três módulos —Tratamento, Coinfecções e infecções oportunistas e Comorbidades— e, pela primeira vez, traz a informação que pessoas com carga viral indetectável não transmitem o vírus por via sexual”, afirma a diretora do Unaids Brasil.
A publicação recente de novas estratégias de profilaxia pré-exposição (PrEP) em modelo injetável de longa duração (a cada dois meses) é outra novidade que acaba de ser liberada no Brasil. “Já tem a aprovação dessa medicação, está em fase de implementação no sistema público de saúde, substituindo a ingestão diária de comprimidos da PrEP e com uma eficácia ainda maior na proteção contra a infecção por HIV”, afirma Maia.
O médico lembra ainda que o campo de estudos sobre a Aids é crescente, indo da busca da cura por uma vacina global até soluções para transplantes de imunossuprimidos.”A gente conta também com estudos de prevenção não pautados em vacina, como a PrEP ainda mais longa, para antirretrovirais subcutâneos com duração de 6 meses, para tentar facilitar a adesão [ao tratamento] e reduzir o número de novos casos de HIV”, diz o médico.