Nessas imersões indagatórias Tati age como uma benzedeira de palavras e gestos. Ela não cumpre um rito nem objetiva um fim, mas permite um encontro no sentido da “Estética Relacional” de Nicolas Bourriaud, uma experiência de escuta no sentido de “À Escuta” com Jean-Luc Nancy.
Aqui interessa menos participar ou propiciar uma atividade do que deixar ela acontecer. Tati concorre para que algo aconteça segundo um determinado arco de tensão, criado pela estrutura de uma situação, da qual ela cuida. Arte relacional, dialógica, contextual, engajada, conversational art que não é poesia, nem poema, mas função poética. Nela nem sempre o artista deve ser o centro da obra, mas não teme que isso aconteça. Como aquelas antigas medicações psiquiátricas receitadas à condição de “se necessário” e até “onde necessário”.
Função poética porque o argumento “artista” recai sobre um termo indeterminado, mas formando um campo definido. Mais do que em qualquer outro caso, aqui a obra se completa no texto do qual o leitor agora pode participar. Contudo, não é na condição de destinatário, mas de testemunha de viagem e intérprete da situação que ele entra e define esta segunda cena, esta outra cena, esta andere Schauplatz, ou outra Tatiplatz, criada pelo texto escrito. Mas aqui ela é autora, não é artista? Dúvida que coloca o trabalho em questão na antiga tradição de reflexão da literatura sobre as artes visuais, num Brasil cujo letramento é tardio.
Palavra, imagem e gesto criam assim uma espécie de circularidade torcida entre os acontecimentos acontecidos e os acontecimentos narrados. Texto composto por diferentes tecidos. Se a arte que se produz hoje nem sempre pode ser identi?cável como arte, não é só em função da movência de seu criador e agente, mas também pela indeterminação de seu sentido e pelo fato de que ela questiona basicamente as experiências de reconhecimento, e mais radicalmente as experiência de sofrimento. Como para os surrealistas a cidade aqui é personagem, assim como a mulher enigma.
Como em uma garrafa de Klein este tipo de arte requer necessariamente duas cenas, articuladas como duas bandas de Moebius, com torções de sentido contrário, costuradas juntas. Numa das bandas a arte que se parece com a arte. Na outra banda a arte que se parece com a vida.
Essa é também a fórmula que define, a nosso ver, a escrita de uma caso clínico. Ou seja, não é preciso um enquadre disciplinar, um museu ou um colecionador, mas um curador e duas séries transformativas, onde uma representa uma perspectiva escrita, fragmentada e a posteriori, sobre um evento organizado por regras mínimas à priori, onde entre eles falta pelo menos um elemento: uma agulha que não estava lá.