Ludmila Dayer tinha dez anos de idade quando rodou “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, de Carla Camurati. Ela fazia a versão infantil da nobre espanhola que se casou com o futuro rei português dom João 6º. A princípio, o papel iria para outra atriz-mirim. Ludmila dublaria a titular apenas nas cenas em que a jovem princesa dança ritmos espanhóis.
Mas a diretora gostou tanto dela que acabou lhe dando dois personagens: além da Carlota criança, Ludmila também interpretou a menina inglesa que narra a história.
“Uma produtora do filme foi à escola de dança que eu frequentava no Rio e me filmou dançando”, conta ela. “Depois, me convidaram para conhecer a Carla Camurati. Aí eu tive só dois meses para aprender um pouco de inglês e de espanhol, que são as línguas que eu falo no filme.”
Lançado em 1995, “Carlota Joaquina” foi um sucesso inesperado de bilheteria, e o título que inaugurou a “retomada” —o processo de revitalização do cinema brasileiro, que quase desapareceu durante o governo Fernando Collor. Também pôs Ludmila Dayer no mapa.
Ainda muito jovem, ela passou a década seguinte se dividindo entre projetos para o cinema e para a televisão. Até que, em 2006, a atriz foi passar duas semanas de férias em Los Angeles, nos Estados Unidos. Sem nenhum planejamento, acabou ficando por lá, onde mora até hoje.
“Ninguém sabia da minha vida, o que, para mim, foi maravilhoso. Uma oportunidade de começar do zero, de me redescobrir sem ter a audiência que eu cresci tendo. Além da sensação de chegar em casa. Eu sempre me senti um peixe fora d’água no Brasil.”
“Eu queria morar perto da energia de Hollywood, desse mundo que me faz sonhar”, conta. Mas seus primeiros trabalhos por lá nada tinham a ver com cinema. Vendeu óculos de luxo, fez muitas traduções. Aos poucos, foi se reaproximando dos sets de filmagem, mas por trás das câmeras, aprendendo coisas como produção executiva ou assistência de direção.
Hoje sua vida está toda centrada nos Estados Unidos. Desde 2014, é sócia da produtora Look Films, que já tem uma filial no Brasil. Em 2015, levou a mãe, de quem é filha única, para morar perto dela.
Na mesma época, se casou com um britânico, cuja identidade não revela para preservar a privacidade dele. Só conta que manteve um namoro a distância durante três anos, mas hoje moram juntos em L.A.
Tudo parecia ir de vento em popa quando Ludmila passou a ter crises de pânico cada vez mais fortes. “Depois, quando você volta ao seu estado normal, fica com muita vergonha”, conta ela. “Porque você fala: ‘Nossa, estou criando isso tudo na minha cabeça’”, e não é assim. Na verdade, seu corpo está em estado de alerta, tentando te avisar de algumas coisas que precisam ser processadas. Algo que você está abafando. Mas, até entender isso, eu achava que o pânico era um monstro que queria acabar com a minha vida.”
Ludmila começou a se tratar, e achou que rodar um documentário no Brasil sobre seu próprio processo de cura seria uma boa ideia. Mas a viagem começou mal. “Eu tive uma crise de pânico no avião indo ao Brasil. Liguei para minha terapeuta na conexão em Houston e falei: ‘Eu não vou conseguir, eu não vou entrar mais naquele avião’. A minha crise a bordo foi tão forte que precisei de bomba de oxigênio, dessas que as aeromoças carregam. Tinha certeza de que estava tendo um infarto dentro do avião.”
“Toda a filmagem foi muito difícil. Rodamos em Varginha, no interior de Minas Gerais. A [atriz] Fernanda Souza, que é praticamente uma irmã para mim e faz meu alter ego no filme, foi primordial, me ajudou o tempo todo.”
Com o material rodado, Ludmila voltou a Los Angeles e descobriu que seus sintomas não eram causados apenas pela enfermidade psíquica. Ela recebeu o diagnóstico de portadora do vírus Epstein-Barr, que causa a mononucleose. Além disso, o EBV, como também é chamado, é um dos fatores que, aliado a outros, desencadeia a esclerose múltipla no organismo.
Não demorou para que Ludmila também recebesse o diagnóstico dessa doença autoimune, em que as próprias células de defesa do corpo atacam o sistema nervoso central. A esclerose múltipla é incurável e irreversível, mas pode ser retardada com tratamentos e alimentação. No Brasil, as atrizes Cláudia Rodrigues e Guta Stresser também são portadoras da enfermidade.
De volta a L. A., Ludmila começou a montar seu documentário com a ajuda do editor e diretor Thales Corrêa, seu grande amigo. E foi então que ela resolveu mudar a abordagem. “O filme é sobre saúde mental. Sempre foi, nunca teve nada além disso. Mas eu só fui descobrir que era portadora do vírus depois das filmagens. E aí, entendi que o meu problema físico estava ligado ao meu problema de saúde mental.”
“Virei para o Thales e falei: ‘Preciso editar sozinha’. Fui pegando as imagens e formando a história com elas, colocando a minha narração em cima. O filme nasceu na edição. Fiquei viciada em editar, não queria mais parar. Até que o Thiago Pavarino, que é um dos produtores associados, me sacudiu e avisou: ‘Já deu, né?’. Estava na hora de as pessoas verem.”
Uma das primeiras pessoas que viu o longa foi outra amiga de Ludmila, a cantora Anitta. “Ela havia passado por situações parecidas e entendeu completamente o que eu queria dizer”, diz. Anitta hoje é creditada como produtora-executiva de “Eu”, como o filme foi chamado, e acompanhou Ludmila em uma exibição especial para a imprensa, em 2022.
Num dos momentos de “Eu”, Ludmila agradece ao pai, de quem cresceu afastada, por ter lhe dado a vida. “Ele me deu tudo o que podia me dar, e quando eu entendi isso, acabou, está tudo resolvido”, afirma ela. “Tenho irmãos por parte dele que eu nem conheço. É bem interessante, são coisas novas que eu estou explorando na minha vida agora.”
“Quando eu fiquei doente, pensei: ‘Ninguém nem sabe que eu estou assim. Se eu morro hoje, o mundo vai continuar girando igual, as pessoas vão ficar tristes por um momento, mas depois todo mundo vai voltar para suas vidas’.”
Ludmila não manteve sua doença em segredo. Chegou a postar exames de sangue em suas redes sociais, recebendo total apoio dos fãs. Depois de um ano de tratamento, trouxe boas notícias: disse que já não sentia mais nenhum sintoma.
“Eu me tratei com médicos alopatas, mas não tomei remédios. Eu segui um protocolo de alimentação que é maravilhoso, muito usado no mundo inteiro. Cuidei do meu físico e do meu emocional como um todo, e hoje me sinto muito bem.”
“Hoje eu sou praticamente vegana. Não gosto de comer animal, embora ainda coma de vez em quando. Eu não tenho a doença celíaca, mas não gosto de comer glúten”, diz. “Cortei totalmente o álcool. Mato a vontade com cervejas e gins sem álcool, maravilhosos. O que eu ainda não encontrei foi um vinho sem álcool bom.”
Ludmila se diz curada da esclerose múltipla, mas a medicina ressalta que a enfermidade segue sendo progressiva e incurável. No entanto, há dezenas de novos tratamentos que permitem aos pacientes, especialmente aos que recebem o diagnóstico precocemente, levarem vidas normais.
O documentário “Eu” está disponível na plataforma Aquarius, especializada em conteúdos voltados ao bem-estar, com documentários sobre ioga, sustentabilidade, meditação, meio ambiente e outros temas. Enquanto isso, Ludmila Dayer já prepara uma continuação, com o título inevitável: “Você”.