A Universidade Cornell em Ithaca, em Nova York (Estados Unidos) é conhecida pela sua excelência.
A instituição de ensino costuma ser bem avaliada entre as principais universidades da “Ivy League” — o grupo composto por oito das universidades de maior prestígio dos Estados Unidos. Seus alunos sempre se destacam por suas importantes realizações.
Quando Andrew Greene chegou a Cornell, ele foi tomado por uma grande ansiedade: sentiu que precisava se sobressair entre os demais.
“A ambição é algo que normalmente está enraizado em muitas pessoas nessas faculdades de nível superior”, afirma Greene.
“Não quero depreciar Cornell, que é um lugar que certamente adoro, mas dizer que ela não é competitiva também seria uma meia-verdade.”
E essa expectativa de excelência no desempenho não se restringe ao setor acadêmico.
Greene percebeu que a pressão pela perfeição também permeia muitas das agremiações em Cornell.
Ele queria se dedicar a uma das grandes tradições musicais das faculdades americanas: o canto à capela, sem instrumentos, usando apenas a voz humana.
A música à capela é mais um campo que demonstra a excelência da Universidade Cornell em todos os setores.
Ela foi uma das fontes de inspiração do filme A Escolha Perfeita, de 2012.
Mas, por mais que Greene se entusiasmasse pela música, sua empolgação não se traduzia em talento.
“O cenário do canto à capela em Cornell é competitivo”, diz ele.
“Sabia que nunca iria conseguir entrar em nenhum daqueles grupos à capela. Por isso, comecei a desenvolver a ideia de talvez começar o meu próprio grupo.”
Greene criou o nome perfeito para o seu grupo: Mediocre Melodies (“Melodias medíocres”, em inglês).
Ele mencionou a ideia para os seus amigos e recebeu em resposta uma multidão de interessados.
Greene fundou a agremiação, e 30 pessoas se inscreveram.
Seus integrantes decidiram que iriam convencer as pessoas a apoiar seu grupo de qualidade mediana doando toda a receita para entidades beneficentes locais.
Eles criaram o slogan “maus cantores por uma boa causa”.
Mas, mesmo assim, o projeto enfrentou resistência.
Greene se reuniu com uma pessoa influente no mundo do canto à capela, que zombou da sua ideia.
Ela disse que eles nunca conseguiriam dinheiro suficiente para pagar os custos, tampouco apoiar entidades beneficentes.
Greene ficou desanimado.
“Voltei e disse ao grupo: ‘estamos ferrados'”, relembra.
Por que mediano é uma palavra ruim?
“Por que precisamos ser excepcionais para progedir?”, questiona Thomas Curran, professor de psicologia e ciências do comportamento da London School of Economics (LSE) e autor do livro The Perfection Trap (“A armadilha da perfeição”, em tradução livre).
Por que “mediano” se tornou uma “palavra ruim”?, insiste o professor.
Curran estuda inúmeros dados sobre estudantes universitários e perfeccionismo desde 1989. Ele encontrou um aumento de 40% do chamado perfeccionismo socialmente prescrito.
“O perfeccionismo socialmente prescrito nos torna obstinadamente hipervigilantes sobre o nosso desempenho em relação a outras pessoas”, explica ele.
Geralmente, não consideramos o perfeccionismo como uma falha. Nós achamos que precisamos dele para ter sucesso.
“Na verdade, observando os dados, você percebe que o perfeccionismo não tem absolutamente nenhuma correlação com o sucesso”, explica o professor.
Pelo contrário: o perfeccionismo pode ter diversas desvantagens.
“Prevenção, contenção, procrastinação”, afirma Curran.
Podemos ter tanto medo de não parecer perfeitos que acabamos não tentando.
O perfeccionismo não é “o segredo do sucesso que muitas vezes pensamos erroneamente que seja”.
É não é só questão de nos tornar ineficientes.
“O perfeccionismo socialmente prescrito pode ter profundos impactos sobre a nossa saúde mental”, afirma Curran.
Pesquisas demonstram relações entre o perfeccionismo e o aumento dos níveis de depressão, ansiedade e burnout.
Luta constante para sentir-se feliz
Essa resistência em aceitar ser mediano, enfrentada por Andrew Greene ao formar seu grupo de canto à capela, pode ser observada em todo o mundo dos negócios.
Os chefes costumam dizer que não aceitarão da sua equipe “nada menos do que a perfeição” ou que “apenas o melhor será suficiente”.
Em teoria, parece algo bom, mas, na verdade, ignora a premissa de que, para nos aprimorarmos, precisamos cometer erros.
E, se ficarmos muito concentrados na perfeição, nosso cérebro pode perder todo o sentido de diversão e criatividade.
“Se você ficar obcecado buscando o que você entende ser a perfeição, irá criar uma enorme desvantagem para si”, afirma a coach de vida Leonaura Rhodes, originalmente formada em neurociências.
Segundo ela, os perfeccionistas vão obter uma imensa dose de dopamina quando atingirem bons resultados.
Mas obter esses picos de dopamina de uma única fonte dificulta a obtenção da mesma dose de outras fontes, ressalva Rhodes.
Ou seja, o cérebro só irá liberar dopamina quando você atingir um nível excepcional.
Por isso, como resultado, se você quiser continuar produzindo essa substância e sentindo o bem-estar gerado por ela, precisará continuar sempre se aprimorando.
“Ele (perfeccionismo) rouba das pessoas a capacidade de estar presente, ser feliz e se sentir em paz”, explica ela. “Vira luta constante.”
Ser mediano mantém saúde do cérebro
Ao tentar coisas novas, você não espera se sair bem logo de início.
E isso pode ter influências positivas sobre a saúde do cérebro.
“Quando aprendemos algo novo, nosso cérebro tem essa incrível capacidade de formar conexões neurais, que é chamada de neuroplasticidade”, explica Rhodes.
Se fizermos apenas as mesmas coisas todos os dias, teremos muito pouca neuroplasticidade e isso não é bom para nós — especialmente à medida que envelhecemos.
Portanto, passar tempo aprendendo coisas novas e fazendo aquilo em que somos medianos é um grande investimento para a saúde do cérebro no futuro.
Medir sucesso pelo bem-estar, não pelo dinheiro
Curran defende que o perfeccionismo está profundamente enraizado nos nossos sistemas econômicos.
Nossa economia cresce proporcionalmente ao consumo e, para podermos consumir, precisamos sentir que existem coisas de que precisamos.
Ele afirma que essas sensações nos são condicionadas pela publicidade, “através da sensação de que existe um produto ou solução material para aquilo que achamos que não temos”.
Para combater isso, Curran acredita que precisamos parar de medir o sucesso pelo dinheiro.
Que tal se preocupar com o bem-estar e a felicidade? Podemos criar economias que permitam que as pessoas deem o melhor de si, aumentando suas expectativas na vida?
Curran acredita que esses pontos são medidas do sucesso tão importantes quanto o PIB (Produto Interno Bruto, ou soma de riquezas de um país).
Aceite que é impossível ter controle
Como indivíduos, uma estratégia para lidar com o perfeccionismo proposta por Curran é a “aceitação radical”.
“Aceitação radical é aceitar realmente que existem limites para aquilo que podemos controlar”, explica ele.
Curran usa um barco a vela como analogia.
Em dias com bom vento, você pode viajar por horas. Em outros, você fica simplesmente flutuando. E, em outros, você tentará seguir em uma direção, mas será desviado do seu curso.
O importante, para o professor, não é o destino, mas a viagem.
“A viagem significa nos forçar em direção ao destino; a jornada significa ter coragem, ser vulnerável e isso é bom”, explica ele.
Aceitar ser mediano pode trazer alegria
Andrew Greene foi corajoso. Ele não desistiu de seu objetivo de formar um grupo de canto à capela mediano, mesmo diante da resistência das pessoas.
Determinado a ganhar dinheiro com sua primeira apresentação, ele ficou ainda mais motivado a provar aos incrédulos que ele estava certo.
Mais de 300 pessoas assistiram à estreia do Mediocre Melodies.
E, quando o grupo apresentou sua primeira canção — Fat Bottom Girls, da banda de rock britânica Queen — a reação do público foi arrebatadora.
Mediocre Melodies rapidamente se tornou um sucesso entre os estudantes da Universidade Cornell.
Maggie Meister é a primeira mulher presidente do grupo. A estudante do quarto ano declarou que aceitar ser uma cantora mediana foi transformador.
“Ninguém tenta buscar a perfeição”, conta ela sobre o grupo, “e é apenas esse ambiente animador no qual eu realmente sinto que posso ser eu mesma.”
Concentrar-se na alegria e na camaradagem, não na perfeição, permitiu que os membros do grupo se expressassem livremente.
Eles não são limitados pelo perfeccionismo socialmente prescrito. Eles querem simplesmente se divertir.
Aceitar que somos um pouco menos perfeitos, um pouco mais medianos, pode simplesmente nos ajudar a viver nossas vidas da melhor forma possível.
Afinal, a tragédia na vida não é fracassar. A tragédia é deixar de aproveitar a vida.
*Ouça (em inglês) o episódio do programa Sideways, da BBC Rádio 4, que inspirou esta reportagem, no site BBC Sounds.
Esta reportagem foi originalmente publicada aqui.