Não é preciso atravessar uma enxurrada para sair com os pés ensopados após uma tempestade de verão. De fato, basta uma chuvinha rápida e um momento de distração para encharcar o tênis ou a sandália em uma poça qualquer parada em alguma imperfeição do calçamento.
O que parece um simples incômodo, entretanto, pode se tornar uma dor de cabeça bem maior. De acordo com especialistas médicos ouvidos pela Folha, a água da que se acumula em alguns pontos após a chuva contém toda sorte de sujeiras urbanas e parasitas, podendo ocasionar de micoses e infecções bacterianas na pele a gastroenterites.
Segundo a dermatologista Natália de Paiva Sobreira, médica da Rede Mater Dei, o contato com a água parada, especialmente em ambientes urbanos, pode trazer vários problemas de pele devido à presença de contaminantes presentes naquele meio. “Ali tem bactéria, fungo, produtos químicos, microrganismos parasitas. Se acontecer, a primeira coisa a evitar é um contato mais prolongado, não permanecer muito tempo com aquela água acumulada, pois o risco da exposição é maior”, diz Sobreira.
A orientação é, logo em seguida ao incidente, buscar um ambiente limpo para lavar a parte exposta com água corrente e sabão para evitar infecções bacterianas como foliculite ou reações alérgicas. “Se o paciente tiver algum orifício de entrada, algum machucado prévio, essa ferida pode infectar. Além de dermatites, porque substâncias químicas presentes nas águas, como poluentes industriais, podem levar a dermatite de contato”, afirma Sobreira.
Outro ponto é não comer nenhum alimento antes de passar pela higienização. No geral, para quem anda muito a pé ou de moto, a dica é usar calçados fechados impermeáveis para reduzir as chances de contaminação.
Ethel Fernandes, também médica dermatologista da Mater Dei, lembra que, neste período chuvoso do ano, ocorrem mais alagamentos e é possível observar nos consultórios e pronto-atendimentos um aumento nas taxas de micose de pele. “Principalmente as que acometem as regiões de dobras e locais mais úmidos e quentes, que são causadas por conta de fungos que se proliferam na pele por conta dos sapatos molhados e contaminados”, destaca Fernandes.
Axilas e virilhas, assim como os espaços entre os dedos dos pés, são particularmente afetados pelo problema. “Essas micoses causam coceira, maceração e vermelhidão no local. Quando acometem as unhas, elas causam espessamento, fragilidade e alteração da coloração”, alerta a especialista.
Como forma de prevenir essas micoses, Fernandes reforça que é importante evitar ficar muito tempo com a roupa molhada e secar bem o corpo após o banho, evitando sempre andar descalço e ter contato direto com a água parada e com a lama das ruas. “Se o sapato ficar molhado, deixe-o no sol alguns dias, de um a dois, até que ele seque completamente”, sugere.
Tratar as micoses adquiridas também é necessário para resolver o problema e diminuir a transmissão, sendo que um médico especialista em pele deve ser consultado para indicar a medicação ideal.
Membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e fundador-diretor clínico do Instituto Fraga de Dermatologia, o médico José Roberto Fraga Filho diz que a água parada em poças após chuvas e enchentes pode causar ainda doenças graves, como a leptospirose, doença transmitida pela urina do rato. “Causa grandes problemas no nosso organismo, podendo inclusive levar a óbito”, diz Fraga.
Outro problema, afirma Fraga, são as hepatites, que também são transmissíveis pelo contato com a pele machucada e que podem prejudicar gravemente o fígado, órgão essencial para vida.
Por fim, o dermatologista aponta que a água contaminada facilita a penetração de bactérias na pele, causando dermatites que podem até mesmo evoluir para erisipela, que tem um quadro mais grave para o paciente.
Os médicos alertam ainda que os acúmulos de água parada no verão são um fator importante para proliferação de mosquitos vetores de doenças como dengue, zika e chikungunya, responsáveis por um grande número de mortes no país. Além de eliminar locais onde a água parada possa acumular, é indicado usar repelentes em adultos e crianças.
A água com a sujeira da cidade levada pelas enxurradas até os balneários (areia e água do mar) é outro problema. De acordo com o gastroenterologista Nelson Cathcart Junior, várias fontes aumentam o risco de viroses e gastroenterites no verão, incluindo “o contato da mucosa com a ingestão involuntária desses líquidos e alimentos”.
Os problemas no aparelho digestivo, como o causado ano passado no surto de norovírus em Florianópolis, podem levar a quadros de desidratação, enjoos, vômitos, diarreias e dores na barriga. Cathcart diz que um problema por vírus tende a se atenuar entre 48 e 72 horas, enquanto um bacteriano pode se prolongar e apresentar uma febre mais alta e persistente com desidratação intensa e até sangue nas fezes.
A recomendação em zonas de praia e para viajantes, portanto, é evitar contato com a água parada nas ruas e ficar atento à balneabilidade das praias, hidratação, higiene e alimentação fora de casa.