Apaixonar-se por alguém parece um processo tão pessoal e espontâneo que pode soar estranho –e até um tanto insultante– sugerir que outra coisa (que podemos chamar de sociedade ou cultura) possa desempenhar um papel secreto e crucial na regência de nossas relações em seus momentos mais íntimos.
Nossos amores se desenrolam diante de um pano de fundo cultural que cria uma noção poderosa do que é “normal” no amor; ele sutilmente nos guia para onde devemos dar nossas ênfases emocionais, ensina o que valorizar, como abordar conflitos, com que nos empolgarmos, quando tolerar e o que legitimamente pode nos irritar. O amor tem uma história e navegamos –às vezes um tanto impotentemente– em suas correntes.
Desde meados do século 18, vivemos em uma era altamente diferenciada na história do amor que podemos chamar de romantismo. Ele surgiu como uma ideologia na Europa nas mentes de poetas, artistas e filósofos e, agora, conquistou o mundo, potentemente (mas sempre silenciosamente) determinando como o filho de comerciante em Yokohama encarará um primeiro encontro, como um roteirista em Hollywood moldará o final de um filme ou quando uma mulher de meia-idade em Buenos Aires poderá decidir se separar de seu marido servidor público de 20 anos.
Nenhuma relação segue exatamente o gabarito romântico, mas, ainda assim, seus amplos contornos com frequência estão presentes –e podem ser resumidos da seguinte forma:
O romantismo é profundamente esperançoso quanto ao casamento. Ele nos diz que esse matrimônio pode ter toda a empolgação de um caso de amor. Espera-se que os sentimentos amorosos com os quais estamos familiarizados no início do relacionamento prevaleçam durante a vida inteira.
O romantismo uniu amor e sexo. Anteriormente, as pessoas imaginavam que poderiam fazer sexo com pessoas que não amavam e que poderiam amar alguém sem ter um sexo extraordinário. Ele se tornou o indicador da saúde de qualquer relacionamento.
O romantismo propôs que o amor verdadeiro deve significar o fim de toda a solidão. O parceiro certo nos entenderia completamente, possivelmente sem precisar falar conosco. Ele intuiria nossas almas (os românticos dão valor especial à ideia de que nosso parceiro pode nos entender sem que precisemos dizer nada…).
O romantismo acreditava que escolher o parceiro deveria ser uma questão guiada por sentimentos, e não considerações práticas. Durante a maior parte da história, as pessoas tinham entrado em relacionamentos e se casado por motivos pragmáticos e lógicos: porque o lote de terreno dele era vizinho do dela, porque a família dele tinha um negócio próspero de grãos, ou os pais de ambos adotavam a mesma interpretação dos textos sagrados. A partir de tais casamentos “racionais”, resultavam solidão, estupro, infidelidade, espancamentos, frieza e gritos ouvidos atrás das portas dos quartos dos filhos.
Para o romantismo, o casamento racional não era nada razoável; por isso, o que o substituiu –o casamento de sentimentos– basicamente nunca precisou responder por si mesmo. O que importa é que duas pessoas são atraídas uma à outra por um instinto avassalador e sabem, do fundo do coração, que aquilo é certo. Na era moderna, quanto mais imprudente parece ser um casamento (talvez eles se conheçam há seis semanas; um deles não tem emprego ou ambos mal saíram da adolescência), mais seguro, na verdade, ele pode ser considerado, porque a aparente “imprudência” é tomada como um contrapeso para todos os erros e tragédias permitidos pelas uniões de antigamente.
O romantismo manifestou um forte desdém por questões práticas e pelo dinheiro. Atualmente, não gostamos que esses elementos estejam predominantes em nossa mente no tocante a relacionamentos, especialmente nos primeiros dias. Parece frio –ou nada romântico– dizer que você saberá que está com a pessoa certa porque vocês dois são uma boa dupla financeiramente falando ou porque combinam em coisas como usar o banheiro e atitudes quanto à pontualidade.
O romantismo acredita que o verdadeiro amor deve envolver se deliciar em um amante em cada aspecto dele. O verdadeiro amor é sinônimo de aceitar tudo em alguém. A ideia de que seu parceiro (ou você mesmo) possa precisar mudar é considerada um sinal de que o relacionamento está em crise; “você terá de mudar” é uma ameaça desesperada.
Podemos, a esta altura, declarar corajosamente: o romantismo acabou com o amor e isso tem sido um desastre para nossos relacionamentos.
Somos cercados por uma cultura que oferece uma ideia bem intencionada, mas fatalmente distorcida, de como os relacionamentos podem funcionar. Estamos tentando aplicar um roteiro nada prestativo a uma tarefa tremendamente complicada.
Este roteiro romântico é normativo e, às vezes, ilusório. Para serem considerados normais na era do romantismo, muitos dos seguintes itens devem acontecer:
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Nosso amante deve ser nossa alma gêmea, melhor amigo, pai, motorista, contador, coordenador da casa e guia espiritual.
Além disso, não precisamos de uma educação no amor. Podemos precisar de treino para ser pilotos ou neurocirurgiões, mas não um amante. Aprenderemos isso ao longo do caminho, seguindo nossos sentimentos.
Conhecer a história do romantismo deveria ser consolador –porque ela sugere que muitos problemas que temos com relacionamentos não vêm de nossa ineptidão ou de nossas escolhas lamentáveis de parceiros. Conhecer a história convida a outra ideia, mais útil: não somos unicamente culpados, recebemos uma tarefa incrivelmente difícil de nossa cultura, que, então, teve a temeridade de apresentá-la como fácil.
Parece crucial questionar sistematicamente as presunções dessa visão do amor –não para destruí-lo, mas para salvá-lo. Precisamos elaborar uma teoria pós-romântica de casais, porque, para fazer uma relação durar, temos de ser quase desleais com as emoções que nos colocam nessa relação para começo de conversa.
Precisamos substituir o gabarito romântico por uma visão psicologicamente madura do amor que podemos chamar de clássica, que estimula em nós diversas atitudes nada familiares, mas, esperançosamente, eficazes. Entre elas, perceber que:
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Somos bastante falhos, e nosso parceiro também, é imensamente benéfico para um casal aumentar a quantidade de tolerância e generosidade em circulação;
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Nunca encontraremos tudo em outra pessoa, nem ela em nós, não por causa de alguma falha peculiar, mas por causa de como a natureza humana funciona;
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Precisamos fazer esforços tremendos, e frequentemente um tanto artificiais, para nos entendermos; e de que a intuição não pode nos levar aonde precisamos ir;
Todas essas atitudes e outras pertencem a um futuro novo e mais esperançoso para o amor.
Essa é uma versão editada do texto originalmente publicado pela The School of Life, escola fundada por Alain de Botton