Qualquer um se comove com a história de crianças vítimas de abusos, e essa é uma das espertezas por trás de “Som da Liberdade”. O filme do mexicano Alejandro Monteverde concentra-se na forma para chegar à mensagem, embora saiba que não será difícil que o espectador repare também no que fica apenas na superfície.
Monteverde e o corroteirista Rod Barr inspiram-se na vida de Timothy Ballard, um ex-agente do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, para denunciar crimes que alastram-se pelo mundo inteiro, uma das não tão novas chagas sociais com que mulheres e homens decentes terão de se preocupar cada vez mais.
O diretor pinta Ballard como uma figura sobre-humana, um semideus à prova de tolas inseguranças de gente de carne e osso e abre mão da estabilidade de um emprego na administração pública federal americana para caçar pedófilos na Amazônia colombiana. Mas a vida além-tela nunca deixa de reservar surpresas.
Jim Caviezel fica bem ao encarnar esses personagens messiânicos. Quando se começa a reparar em seu desempenho, falando sempre baixo, discreto, como se quase nem pusesse os pés no chão, é impossível não lembrar de “A Paixão de Cristo” (2004), de Mel Gibson, outra das grandes produções envoltas em controvérsia do cinema recente.
Aqui, o Tim Ballard de Caviezel é um Jesus na Sexta-feira da Paixão, agoniado, duvidando de sua bondade, de seus poderes, mas sem mais nenhuma margem para regresso. O protagonista vai despontando na narrativa com vagar; para que o público se convença de que ele é mesmo necessário, Monteverde carrega nas tintas do drama, mostrando Giselle, uma ex-miss Cartagena que agora se dedica a agenciar crianças e adolescentes para comerciais e telenovelas, recebendo Rocío e Miguel, os irmãos em torno dos quais o eixo do filme gira em boa parte dos 131 minutos.
Giselle é, na verdade, Katy, o elo mais visível e mais tênue de uma engrenagem indestrutível, e malgrado Yessica Borroto Perryman não tenha muita chance de desdobrar a vilãzinha, sua presença bissexta norteia a atenção de quem assiste, sobretudo nesse primeiro momento. Por outro lado, Cristal Aparicio e LucásÁvila ganham um merecido espaço, brilhando juntos e cada qual a seu tempo.
A separação, depois que a ideia central se consome e Rocío e Miguel são despachados para um cativeiro e talvez já desconfiem de sua sina, é um achado numa trama confusa e, por paradoxal que soe, monótona.
No segundo ato, o diretor reforça o time do bem conferindo alguma deferência ao Vampiro de Bill Camp, um ex-mafioso que agora também parece especialmente tocado pela causa dos milhões de meninos e meninas envolvidos em transações com abjetas vistas a satisfazer nefastos apetites.
O personagem de Camp só não é mais plano que Mira Sorvino na pele de Katherine, a mulher de Ballard, miseravelmente desperdiçada. O oficial consegue o que pretendia desde o início, mas Tim Ballard nunca foi capaz de explicar a contento as denúncias de abuso de sete mulheres, durante as ações na Colômbia. Essa, sim, uma história cheia de possibilidades muito mais ricas.
Filme: Som da Liberdade
Direção: Alejandro Monteverde
Ano: 2023
Gêneros: Crime/Ação
Nota: 7/10