Com Robert Rodríguez, não há meio-termo: ou gosta-se muito ou detesta-se. Um dos cineastas que mais subverte o que se convencionou denominar gênero, Rodríguez é capaz de incluir num mesmo trabalho drama, ação, mistério, comédia e ficção científica, ou até dirigir uma produção que, em correndo tudo como o previsto, vai passar o próximo século — 91 anos e 9 meses, para ser preciso — trancado num cofre, para ser levado à praça só em 18 de novembro de 2115, um centênio depois de concluído, caso de “100 Anos — Um Filme que Você Nunca Verá”, com John Malkovich como protagonista.
Em “Hypnotic — Ameaça Invisível”, o diretor exerce uma de suas grandes habilidades e dá um nó na cabeça de quem assiste com uma história que vai e vem no tempo sem nenhum pejo de soar confusa. Junto com Max Borenstein, Rodríguez estica a corda do nonsense ao falar de um detetive que perde de vista a filha de sete anos enquanto a menina brinca nos gramados impecavelmente verdes do Zilker Park um espaço público em Austin, a capital do Texas. A partir de um episódio dramático, mas banal, o texto do diretor e seu corroteirista deriva para uma viagem ao mais fundo da alma de um homem atormentado, absorto pela lembrança de dias felizes, interrompidos com propósitos falsamente nobres.
Se toda história dispõe de começo, meio e fim, é lógico pensar que o mesmo se dê com a Terra — e com o próprio universo —, e, quiçá, tudo se reinicie de outro modo. As pesquisas de Albert Einstein (1879-1955) acerca do tempo e as diferentes posturas dos corpos diante do deslocamento da luz e da ação gravitacional, a base científica para a formulação da célebre Teoria Geral da Relatividade, em 1905, podem explicar o frenesi da humanidade em subjugar a passagem dos anos a seu talante.
Tomando-se os postulados de Einstein em sua constituição pura, seria possível, até sem muita dificuldade, reordenar a passagem dos dias, dos meses, dos anos e séculos, indefinidamente, de acordo com as necessidades do homem, o que Stephen Hawking (1942-2018) ratificou com seus estudos sobre o espaço-tempo e a radiação dos buracos negros, onde a luz se desintegra e metamorfoseia-se em novas fontes de energia e uma força ineditamente poderosa, capaz de, como previra o alemão sete décadas antes, empurrar tudo quanto existe para o limbo onde a vida recomeçaria.
À Teoria de Tudo do britânico, assunto do lindo filme homônimo dirigido por James Marsh em 2014, e às descobertas de Einstein, acrescentam-se elucubrações entre vesanas e francamente absurdas no que respeita ao suposto condão humano em pular de uma era a outra sem critério algum, cada vez mais ajudado pelas intenções nada cândidas dos dispositivos de inteligência artificial.
Um mecanismo invisível persegue Daniel Rourke, o anti-herói de Ben Affleck, afastado do Departamento de Polícia de Austin pelo que a psicanalista interpretada por Nikki Dixon acredita ser a manifestação do estresse pós-traumático devido ao sumiço de Minnie, a filha. Neste segmento, Ionie Olivia Nieves dá alguns indícios do que de fato pode ter se passado, mas Rodríguez só volta ao centro do enigma na iminência do desfecho, momento em que Hala Finley assume a personagem.
Enquanto isso, a ameaça invisível expressa no título literalmente ganha corpo. O nome de Lev Dellrayne, que Rourke vai descobrir ser o mandante de uma série de assaltos a bancos de Austin e cidades menores próximas, consta no verso da Polaroid que ele guarda como única lembrança palpável de Minnie, escrito a mão.
Antes de resgatar a filha de um lugar 36 meses além do presente, enfrentando o vilão caricato de William Fichtner, o antimocinho de Affleck se depara com a figura de Diana Cruz, que junta à mediunidade em que ele faz questão de não levar fé o talento para decifrar enigmas que a compreensão terrena não alcança. Alice Braga foge do estereótipo dá latina encrenqueira cristalizado por Hollywood e compõe um tipo adequadamente dúbio, remetendo a dois tempos distintos na vida do novo parceiro, com quem divide um laço eterno.
Filme: Hypnotic — Ameaça Invisível
Direção: Robert Rodríguez
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Ficção científica/Mistério
Nota: 8/10