Síndrome Vasovagal: explico o que é e como vivo com ela – 25/02/2024 – O Pior da Semana – Zonatti Apps

Síndrome Vasovagal: explico o que é e como vivo com ela – 25/02/2024 – O Pior da Semana

Diana me escreve perguntando o que raios é a Síndrome Vasovagal, da qual sempre falo em meus podcasts. Não saberia explicar clínica e biologicamente falando. Tampouco tenho conhecimento se o esclarecimento, que eu não saberia dar, é melhor definido como “clínica e biologicamente falando”. Mas sei o que sinto

Aos 14 anos, eu provei álcool pela primeira vez na casa de uma amiga, em sua festa de aniversário. Era um negócio chamado “meia de seda” (leite condensado com vodca) e sabe Deus o motivo que levou o pai da garota a dar isso para um bando de crianças. Virei de uma só vez aquele copinho com cheiro de creme barato e foi como se uma mão gigante entrasse pelo meu crânio e arrancasse minha alma pela nuca. Corri para o banheiro da casa da menina sem saber se eu iria vomitar, desmaiar, me cagar inteira ou chorar (fiz tudo isso).

Fiquei deitada no chão do banheiro e minhas mãos viraram pedras e entortaram completamente. Trinta anos depois eu chamaria isso de uma bela reação histérica conversiva, mas voltemos aos meus 14 anos.

Meus pais foram me buscar e devem ter achado que eu consumi todo o bar da casa da garota, tamanho estrago que cinco golinhos de álcool tinham feito com meu corpo.

Depois desse dia, comecei a perceber que meia taça de vinho já bastava para me deixar tonta, enjoada e disparar uma sensação muito parecida com crises de pânico (e eu acredito que só desenvolvi as crises de ansiedade a partir desses mal-estares-gatilhos). Eu nunca fiquei bêbada, sempre passei mal antes. Até decidir, acho que com 30 anos, que não consumiria mais nenhuma bebida alcoólica.

Aos dezessete anos, eu estudava para prestar vestibular e o nervosismo dessa fase fez com que eu esquecesse de comer decentemente e, sobretudo, nos horários devidos. Um dia, no metrô, eu simplesmente apaguei e fiquei desmaiada por seis minutos. Me levaram para uma enfermaria e nada. Eu não voltava. Meteram uma adrenalina no meu braço (parecia aquela cena do filme “Pulp Fiction”) e eu me sentei na maca enrolando a língua e falando que queria mamãe. Mamãe. Quero mamãe.

Mamãe, então, me levou ao neurologista que me pediu um exame chamado Tilt Table Test. Sinto muito se um dia você precisar se submeter a essa tortura hospitalar. Consiste em ficar em uma postura bem surreal (não vou googlar o nome dela, mas você não está nem em pé e nem deitada) e ainda me amarraram com uns cintos de couro e colocaram medicamentos sublinguais para acelerar absurdamente meus batimentos cardíacos. Deitada e imobilizada, meu cérebro entendia que eu estava fugindo de leões famintos. A ideia do exame é promover ao seu corpinho uma síncope. Meus braços endureceram e entortaram tanto que por meia hora precisaram ser massageados. Ao final do exame escutei o cardiologista falando para a minha mãe: “Ela positivou para Síndrome Vasovagal”. É sempre bonito o momento em que somos aprovados para alguma coisa.

Desde criança, eu passo mal em ambientes quentes, fechados, lotados ou sem acesso imediato (caso me dê hipoglicemia ou pressão baixa —e sempre me dá) à água, comida, ventilação e um banquinho para eu me sentar. Muito tempo em pé durante shows, mesmo aos vinte e poucos anos, me dava muito cansaço e uma irritação medular.

Sim, corre o risco dos seus amigos insuportáveis serem apenas vasovagais.

Hoje, meu clínico geral me obriga a malhar a batata da perna e andar com água na bolsa. Eu ainda tenho a sensação de que sal e Coca-Cola me devolvem à vida mais rapidamente que água, mas ele insiste que o grande lance é se hidratar o dia inteiro. Já aconteceu de eu dormir demais e acordar no meio de uma crise, então deixo água e comida do lado da cama.

Aprendi a deitar no chão e colocar as pernas para cima onde quer que eu passe mal. Já fiz isso no chão de um restaurante, na frente de todo mundo (tinha bebido meia taça de vinho), já fiz isso em uma calçada na Vila Madalena (estava calor demais e a fila do restaurante não andava), já fiz isso na casa do Tom Cavalcante (a reunião atrasou e não almocei), já fiz isso em uma leitura de filme com o Fábio Porchat (tomei remédio para dor de cabeça e minha pressão caiu) e faz três semanas eu desmaiei na fila de embarque da Gol, tentando voltar do Rio para São Paulo —o Galeão estava sem ar-condicionado. Me trouxeram uma cadeira de rodas, mas achei melhor me deitar no chão e colocar minhas pernas em cima da cadeira de rodas (nessa hora uma moça tirou uma foto minha e disse que amava meus livros).

Ah, lembrei de uma ótima. Uma péssima, na verdade. Certa feita, acredito que nos idos de 2006, fui buscar um rapazote em sua casa para jantarmos, mas achamos por bem pularmos o pato a tucupi e devorarmos apenas nossos jovens corpos. Esqueci que eu tinha Síndrome Vasovagal e, no meio do sexo, comecei a passar muito mal. Ele ficou feliz achando que minha indisposição era uma forma de dizer que eu não tinha dado conta da sua performance viril. Ficou fazendo perguntas medonhas e proibitivas em 2024, do tipo “nunca tinha visto um assim, né”. Nenhuma doença jamais será pior do que o macho decadente da virada do século (hoje em dia, pelo menos do meu radar, esse tipo tão obviamente escroto desapareceu).

Bem, é isso, Diana. Se um dia você me vir deitada no chão de algum lugar, com as pernas para cima, mamando uma garrafinha de Minalba gelada como se dela dependência minha sobrevivência na Terra, já sabe que é só mais um dia normal.


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