O poeta Adalberto de Queiroz vem ganhando destaque no cenário literário brasileiro, distinguindo-se por uma obra profundamente imbuída de sua fé católica. Esta serve como alicerce para um rico diálogo com a tradição cultural do Ocidente e, mais recentemente, do Oriente. Sua poesia ecoa a influência de autores como Gustavo Corção, Alexander Pope e Gerard Manley Hopkins, promovendo uma reflexão profunda sobre a condição humana à luz da fé.
Em particular, a influência de Dante Alighieri acrescenta uma camada de complexidade à sua poesia, estabelecendo um paralelo entre a jornada espiritual do poeta italiano e a busca pessoal de Adalberto por propósito e redenção.
Muitos acreditam que associar um projeto literário a uma tradição religiosa específica pode alienar leitores que buscam na poesia um espaço de questionamento e exploração livre de preconceitos ou crenças pré-estabelecidas. No entanto, considerar essa perspectiva como redutora seria um equívoco em relação ao trabalho de Adalberto. Ele compreende que a poesia é um território onde o espírito humano exerce sua liberdade, sondando as profundezas da experiência humana sem barreiras. A poesia de Adalberto é mística, mas não estritamente devocional, dialogando com o mundo.
A abordagem sincera e íntima de Adalberto em relação à sua tradição espiritual pode alcançar uma ressonância universal justamente devido à sua especificidade. Ao expressar honestamente suas lutas internas e epifanias dentro de sua fé, ele toca questões fundamentais da existência humana, como a busca por significado, o confronto com o sofrimento e a experiência do êxtase.
Como jornalista, Adalberto mantém um equilíbrio entre a crítica e a literatura. Suas observações sobre os eventos cotidianos e as nuances da cultura brasileira são articuladas com um olhar perspicaz, emulando a tradição dos grandes cronistas.
Ele é uma figura instigante, e por isso escolhemos realizar uma entrevista no melhor estilo proustiano. O escritor Marcel Proust apreciava um jogo de salão chamado “Confissões”, no qual os participantes respondiam a perguntas pessoais. Em sua homenagem, hoje o jogo é conhecido como “Questionário Proust” ou, entre os íntimos, “bate-bola”. Com perguntas e respostas rápidas, ele parece feito para a internet. Existem variações, mas tradicionalmente são 32 perguntas. Aqui, naturalmente, optamos por seguir a tradição, o que é mais que apropriado quando se trata do nosso entrevistado.
Todo poeta é um fingidor?
Fingidor, ator, personagem de sua própria ficção e alguns com uma pitada de mentira. Os fiéis a sua verdade individual são raros e preciosos: Hölderlin, Ungaretti, Paul Celan, Herberto Helder, J. L. Borges, São João da Cruz, Jorge de Lima.
Deus é poeta ou prosador?
Deus é o Supremo Bem, portanto, domina todos os códigos. Nas alvoradas, é poeta; nas tempestades, narrador.
Você nasceu poeta ou se fez poeta?
Nasci só, como Hefesto atirado ao mundo sem mãe. Não havia ali nenhuma poesia. Compensei-me com certidão, poema 2017 em que tento um lugar no rol dos poetas menores.
É verdade que você é um personagem do Charles Dickens?
Charles Dickens criou personagens com infância ainda mais dolorosa e de abandono do que a minha. Eu me compenso, lendo e relendo suas histórias.
Qual o melhor poema que você não escreveu?
Velejando para Bizâncio, de W. B. Yeats.
Qual o melhor poema que você ainda vai escrever?
Odes (poucas) no estilo de Paul Claudel em “Cinco Grandes Odes”, se fôlego e inspiração houver.
Escrever poesia é inspiração ou transpiração?
É um misto. Defendo Drummond quando se batia contra aqueles que negavam o poder da inspiração. No segundo momento vem a razão, hora de aparar arestas do poema até o poeta se dar por vencido.
Qual o maior poeta brasileiro em sua opinião?
Jorge de Lima.
Quem carrega o título de grande poeta brasileiro e você gentilmente discorda?
O Bruno Tolentino é incensado demais para o meu gosto, mas nem sei se tem esse título (ou só o tem entre a nova direita).
Qual grande poeta brasileiro que o Brasil ainda não descobriu?
O baiano João Filho, entre outros de uma excelente safra de jovens poetas.
O que acha de prosa poética?
Pode funcionar, desde Baudelaire e hoje funciona para o português José Luís Peixoto (Morreste-me).
Arte pode ser engajada?
Não deveria, e quando o é se degrada.
Existe lugar para psicanálise na poesia?
Pode haver.
Qual prosador é um poeta involuntário?
João Guimarães Rosa.
Qual poeta é um prosador em versos?
Gerardo Mello Mourão.
Verso livre ou formas fixas?
Se tivesse aprendido a manejá-las quando jovem, me expressaria em formas fixas, mas não me considero capaz, mas não me declaro avesso ao soneto, como o fez o grande João Cabral de Melo Neto.
É verdade que um bom poeta rasga os versos de juventude?
Deveria.
Pode existir poesia depois de Auschwitz?
Deve. Deixo à filosofia se ocupar de debate sobre a Crueldade humana (o Holocausto). À poesia, cabe revertê-la em bem.
Letra de música é poesia?
Em alguns casos.
Um rio incontornável tem terceira margem?
Se Eliot tem razão, “o rio flui dentro de nós”. Deve, pois, ser 3D.
Qual o segredo para recitar poesia?
Ler com atenção e cuidado.
Qual a maior pedra que apareceu no seu caminho?
O abandono na infância.
Na Inglaterra existe o cargo de poeta da corte. Poderia existir um poeta da República Brasileira?
Creio que os Estados Unidos tem algo similar: “Poeta Laureado”, posto que Robert Frost exerceu ao ler um poema na posse do presidente John Kennedy.
O que Jesus escreveu e apagou na areia poderia ser poesia?
A divina poesia do perdão.
Você estudou física. Há poesia na ciência?
Sim. Alguns teoremas são musicais e a música é matemática. São territórios circunvizinhos. Lamento não saber tocar.
Borges disse que uma biblioteca era sua visão de felicidade. Qual a sua?
A alvorada calma em alguma cidade pequena e com horizonte aberto ou à beira-mar.
Romário estava certo quando disse que Pelé era um poeta calado?
Ambos o são (ou eram).
O que há no espaço entre esplendores e misérias?
Vida.
No mundo de “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, qual livro você decoraria?
Eclesiastes.
Qual livro levaria para tal ilha deserta que tanto falam?
Se Chesterton dizia que um guia de construção de barcos era o ideal, penso que um Dickens já seria uma boa alternativa. A sociedade Chesterton escolheu “Pickwick Papers”.
Qual seria a epígrafe para sua vida?
“Fica sabendo que se podem multiplicar os livros a não mais acabar, e que muito estudo se torna uma fadiga para o corpo. Em conclusão: tudo bem entendido, teme a Deus e observa seus preceitos, é este o dever de todo homem. Deus fará prestar contas de tudo o que está oculto, todo ato, seja ele bom ou mau.” (Ecl, 12:12-13)
E agora, José… aliás, e agora, Adalberto?
“Agora que o grisalho impera/eu pouco temo/de volta — o malho/do oponente desatento/ao que me vai na alma” (antilira dos 69 anos).