De acordo com o estudo Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil, realizado por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), Fiocruz, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de Santiago do Chile, o número de mortes ligadas aos ultraprocessados aproxima-se a 57 mil por ano.
No Brasil, o consumo desse tipo de alimento entre 2008 e 2017 teve aumento médio de 5,5%. É o que aponta estudo sobre o perfil de consumidores, divulgado pela Revista de Saúde Pública USP, feito pelo Nupens/USP. O núcleo é responsável pelo Guia Alimentar para a População Brasileira —que desde 2014 recomenda evitar o consumo de ultraprocessados.
Agora, uma nova revisão de 45 trabalhos feitos sobre o tema, publicada semana passada pela revista científicaThe BMJ, mostra que existe uma associação entre as comidas e um risco aumentado para 32 problemas de saúde diferentes.
O trabalho foi conduzido por diversos pesquisadores da Austrália, França, Irlanda e Estados Unidos, e é chamado de “guarda-chuva” por ser uma análise conjunta de outras revisões já feitas sobre o tema.
Ao todo, os estudos analisados acompanharam quase 10 milhões de indivíduos e chegaram aos seguintes resultados sólidos sobre o consumo de ultraprocessados:
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Estão associados a um risco aumentado de 50% de morte relacionada a doenças cardiovasculares;
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A 53% de transtornos mentais comuns e 48% de ansiedade prevalente;
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Risco 12% maior de diabetes tipo 2 a cada 10% de aumento dos ultraprocessados na dieta.
Além disso, muitos destes produtos têm potencial de gerar vício e dificuldade para o indivíduo controlar a quantidade da ingestão, podendo levar a compulsão alimentar, explica a nutricionista Jhenevieve Cruvinel.
O que são ultraprocessados
Produtos alimentícios que contém uma grande quantidade de ingredientes, compostos em sua maioria por produtos químicos, como corantes e conservantes, adicionados de gorduras saturadas, açúcares refinados e/ou adoçantes, sódio e aditivos artificiais podem ser considerados ultrapassados, diz a nutricionista e especialista em gastroenterologia funcional Carolina Calda. São também ricos em calorias vazias, enquanto geralmente são pobres em nutrientes essenciais.
Segundo o Dirceu Mendes Pereira, especialista em Nutrição Metabolômica e atual Diretor Clínico da IonNutri, refrigerantes, biscoitos recheados, embutidos, salgadinhos e macarrão instantâneo são alguns exemplos de ultraprocessados. “O produto final é sensorial, palatável, de fácil consumo e geralmente de baixo custo, tornando-o atraente para a alimentação cotidiana”, explica.
Na visão dos profissionais ouvidos pela reportagem, tanto a frequência como a quantidade de consumo dos ultraprocessados contribuem para o risco de dano à saúde.
Consumir esses alimentos com muita frequência pode levar a uma ingestão excessiva de nutrientes prejudiciais, como açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio —o que aumenta o risco de desenvolver doenças crônicas. Da mesma forma, consumir grandes quantidades de alimentos ultraprocessados em uma única vez pode sobrecarregar o corpo com calorias vazias e nutrientes prejudiciais.
Quais são os 32 problemas de saúde associados a ultraprocessados, segundo a pesquisa:
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Mortalidade por todas as causas
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Mortalidade por câncer
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Mortalidade por doenças cardiovasculares
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Mortalidade por problemas cardíacos
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Câncer de mama
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Câncer (geral)
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Tumores do sistema nervoso central
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Leucemia linfocítica crônica
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Câncer colorretal
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Câncer pancreático
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Câncer de próstata
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Desfechos adversos relacionados ao sono
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Ansiedade
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Transtornos mentais comuns
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Depressão
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Asma
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Chiado no peito
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Desfechos de doenças cardiovasculares combinados
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Morbidade de doenças cardiovasculares
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Hipertensão
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Hipertriacilgliceridemia
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Colesterol HDL baixo
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Doença de Crohn
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Colite ulcerativa
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Obesidade abdominal
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Hiperglicemia
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Síndrome metabólica
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Doença hepática gordurosa não alcoólica
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Obesidade
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Excesso de peso
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Sobrepeso
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Diabetes tipo 2
Como diminuir o consumo
A mudança de padrão alimentar é uma realidade em todo o mundo. No Brasil, a perda da cultura alimentar local se deve principalmente a globalização da cultura fast food, que não demanda gasto de tempo e está hoje disponível em qualquer lugar, até mesmo por meio dos aplicativos, comenta Jhenevieve Cruvinel.
“Cozinhar foi associado a perda de tempo e há o apelo emocional do consumo, com a vinculação de personalidades famosas, como o uso de celebridades, atletas e influenciadores, para promover os produtos. Embalagens coloridas que atraem principalmente jovens e crianças, o fácil acesso em qualquer local e o valor desses produtos são muitas vezes mais atrativos”, explica Cruvinel.
No entanto, é importante ressaltar os impactos negativos desses alimentos na saúde, como o alto teor de gorduras saturadas, açúcares adicionados e aditivos prejudiciais, que estão associados a várias doenças crônicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Promover a conscientização sobre os benefícios de uma alimentação baseada em alimentos naturais e minimamente processados é essencial para a promoção da saúde e prevenção de doenças, concordam os especialistas.
Mais recentemente, o município do Rio de Janeiro proibiu a venda de ultraprocessados dentro de escolas. E, desde o ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) especificou que produtos altos em sódio, gorduras saturadas e açúcares adicionados devem mostrar essas informações na frente das embalagens em certa padronagem.
Porém, os profissionais defendem restrições mais rígidas na publicidade dos produtos, incentivo ao consumo de alimentos naturais e frescos, o desenvolvimento de campanhas de conscientização e apoio a indústria alimentícia na produção de opções mais nutritivas.
Cruvinel diz que “seria interessante se houvesse a reavaliação de quais aditivos poderiam ser utilizados na fabricação de ultraprocessados no Brasil, acompanhando os estudos que comprovam seu prejuízo à saúde. Alguns já são proibidos na Europa e em outros lugares no mundo, como os aditivos de sabor Ciclamato de Sódio (E952) e o Aspartame (E951), que são amplamente utilizados no nosso país.”
No campo individual, optar por reduzir tanto a frequência quanto a quantidade desses alimentos na dieta pode ajudar a melhorar a saúde geral e reduzir o risco de doenças relacionadas à alimentação. Enfatizar o consumo de alimentos naturais e minimamente processados pode oferecer uma ampla gama de nutrientes essenciais para uma boa saúde, esclarece Carolina Caldas.