De 2006 a 2022, o Brasil reduziu em apenas 4,7% a taxa de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis (as chamadas DCNTs) por 100 mil habitantes.
Além disso, de 2020 a 2022, houve um aumento de 2,2% da taxa de mortes prematuras, passando de 299,1 mortes por 100 mil habitantes para 305,7.
Tal redução está muito abaixo da queda de 2% ao ano até 2030 preconizada pelo próprio Ministério da Saúde, segundo o seu Plano Nacional de Doenças Crônicas, criado em 2011.
Também está abaixo do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que prevê uma redução de um terço da mortalidade prematura em todos os países até 2030.
Os dados foram levantados pelo Observatório de Atenção Primária à Saúde da Umane, associação sem fins lucrativos na área de saúde pública, com base nas informações do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade) do Ministério da Saúde.
As mortes prematuras se referem a todas aquelas que ocorrem por doenças evitáveis, como cardiovasculares e hipertensão, ou por causas modificáveis por mudança de hábitos de vida, como redução do tabagismo e do consumo de álcool.
Globalmente, as doenças crônicas são a principal causa de mortalidade e também de morbidade (fatores que afetam a saúde, mas não necessariamente levam à morte), respondendo a mais de três quartos (76%) de todas as mortes no Brasil e no mundo.
Mesmo assim, as políticas para redução das doenças crônicas são falhas em diversas cidades do mundo.
Segundo Evelyn Santos, gerente de Parcerias e Novos Projetos da Umane, é importante notar que o Brasil vem de uma queda na série histórica, mas tal observação não deve considerar o mesmo cenário em todos os lugares do país. “A mortalidade prematura é extremamente desigual, mesmo dentre os municípios, e as chamadas determinantes sociais de saúde contextualizam essas iniquidades, trazendo impacto negativo na saúde”, disse.
As determinantes sociais de saúde, definidas como fatores sociais, econômicos, culturais e raciais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. São alguns exemplos os acessos a saneamento básico, a alimentação saudável e a práticas de atividade física em horários de lazer.
Ainda de acordo com o levantamento, os homens são a maioria entre as vítimas precoces por mortes evitáveis. Em 2006, 56,6% dos mortos prematuros eram homens. Essa taxa permaneceu praticamente inalterada de 2006 para cá, sendo 56,2% em 2022.
Para Santos, isso se reflete na maior busca por cuidados de saúde entre as mulheres do que homens. “O maior risco de morte prematura entre os homens está associado a hábitos de vida pouco saudáveis e menor busca pelos serviços de saúde, e as autoridades de saúde pública têm incentivado ações de prevenção e promoção de saúde antes das doenças se instalarem neste grupo”, afirma.
A especialista afirma ainda que os números mais recentes, principalmente pós-pandemia, podem dar a impressão que não houve uma melhora, mas é importante destacar que alguns municípios já atingiram valores de redução de mortes próximos à meta nacional. “Uma estratégia diante deste cenário seria acelerar a implementação de intervenções mais custo-efetivas recomendadas pela OMS para doenças crônicas e fatores de risco”, afirma.
São incluídos neste plano o combate ao tabagismo, a diminuição da hipertensão (que é fator de risco para doenças cardíacas), a prática de atividade física e a alimentação saudável.
Deborah Malta, doutora em saúde pública e professora associada da Escola de Enfermagem da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que a redução dos fatores de risco associados a doenças têm forte impacto na mortalidade, uma vez que são as condições que mais afetam a saúde da população.
Ela lembra que o Brasil lançou o seu Plano Nacional de Doenças Crônicas dois anos antes do programa global, em 2011. “Modificar estes quatro fatores traz impactos reais nas mortes prematuras, e o Brasil construiu o seu plano, em 2011, calcado em ações de prevenção e promoção da saúde, o que foi apresentado em seguida pela OMS”, disse.
Nesse sentido, as medidas tomadas daquela data para cá foram eficientes, mas houve um enxugamento dos recursos disponíveis à saúde, a partir de 2016, que impactaram negativamente o sucesso do programa, de acordo com Malta, que coordenou, durante nove anos, coordenadora do Vigitel, pesquisa nacional que reúne dados sobre indicadores de saúde e fatores de risco. “Atingir a redução, agora, até 2030, está muito próximo, e vai ser muito difícil”, avalia.
A pesquisadora ressalta, ainda, que o aumento verificado de 2020 a 2022 reflete também o impacto da pandemia na atenção primária à saúde. “Piorou na pandemia porque tivemos uma desistência em saúde, já que os profissionais de atenção primária foram deslocados para a Covid, e também porque pessoas com doenças crônicas tinham maior risco de adoecimento grave pelo vírus, e por isso muitos faleceram.”
Para Gustavo Gusso, médico especialista em saúde da família e comunidade e professor de Clínica Geral da USP (Universidade de São Paulo), os planos que definem metas para redução de mortes têm um papel de balizar as políticas públicas, mas não devem ser restritos a um número somente. “Os números variam muito de país para país. O importante seria aumentar nossa expectativa de vida”, afirma.
Como as mortes prematuras são consideradas para a faixa de 30 a 69 anos, em geral, elas acabam antecipando um resultado que deve ser esperado somente mais adiante na vida das pessoas. “Temos que melhorar muito em relação aos jovens com doenças crônicas. A maioria das pessoas com mais de 60, 70 anos, tem alguma doença crônica, então o objetivo não é evitar, em primeiro lugar, a condição, mas sim que o diagnóstico seja mais tardio, evitando assim os anos de vida vivendo com a doença”, completou.