O diagnóstico precoce do autismo costuma ser mais difícil em mulheres do que nos homens. Isso acontece, entre outros motivos, devido ao comportamento de camuflagem social. Segundo especialistas, meninas tendem a ocultar com mais frequência as características do transtorno, de modo a se ajustar a diferentes contextos sociais.
De acordo a neuropsicóloga Joana Portolese, o autismo pode se apresentar de maneiras distintas a depender do gênero da pessoa. “Os estudos mostram que os meninos acabam apresentando mais cedo sintomas como impulsividade e movimentos repetitivos. Nas meninas, acabamos vendo na adolescência manifestações de depressão, ansiedade e distúrbios alimentares e de personalidade [decorrentes do autismo]”, explica a coordenadora do Ambulatório de Autismo do HC (Hospital das Clínicas) de São Paulo.
O psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), afirma que as manifestações do transtorno no contexto da camuflagem acabam se evidenciando não nos primeiros anos de vida, mas em etapas posteriores do desenvolvimento. “Quando o contexto social começa a ficar um pouquinho mais difícil e exigente, aí eventualmente as dificuldades começam a aparecer”, diz ele.
Por esse motivo, é comum que o TEA (Transtorno do Espectro Autista) se confunda com outros transtornos e que o diagnóstico correto em mulheres ocorra tardiamente ou até na vida adulta.
O comportamento, segundo os especialistas, é mais comum em autistas com nível de suporte 1 –quando não há deficiência intelectual e o comprometimento da linguagem é menor. Ainda assim, é marcado por sofrimento psicológico e exaustão mental.
De acordo com relatório divulgado em 2023 pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, o TEA (Transtorno do Espectro Autista) é quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas. Segundo o mesmo estudo, 1 em 36 (2,8%) crianças de até oito anos no país tem o transtorno.
No último ano, cerca de 45 mil carteiras de identificação de pessoas com autismo (CipTEA) foram emitidas no estado de São Paulo, sendo 70% para meninos e 30% para meninas.
Para Polanczyk, contudo, a discrepância observada nos serviços clínicos provavelmente não é tão grande na população, e decorre mais devido às barreiras para que meninas recebam diagnóstico e tratamento. Diferentes pesquisas internacionais indicam que o diagnóstico de autismo em meninas ocorre, em média, um ano e meio mais tarde do que em meninos.
Um levantamento recente da UnB (Universidade de Brasília) mostrou que a idade média da descoberta entre meninos é de 7 anos, enquanto sobe para 14 em meninas.
Além da camuflagem, o especialista destaca que, historicamente, os estudos sobre o tema tiveram foco em pacientes homens, de modo que os critérios diagnósticos são muito voltados para as características desse grupo. “Há um estereótipo entre profissionais de saúde, educação e até familiares, que não pensam em transtornos do desenvolvimento quando olham para meninas”, afirma.
Segundo o médico, a demora para início do tratamento pode levar ao acúmulo de prejuízos. “A gente entende que nos primeiros anos da vida temos um cérebro muito mais responsivo aos estímulos do ambiente”, explica Polanczyk.
“O objetivo do tratamento é o desenvolvimento de habilidades, como linguagem e interação social, em janelas de sensibilidade. Tem tratamentos que vão ser menos efetivos em outros momentos da vida [que não a infância]”, acrescenta o psiquiatra.
Portolese, do HC, afirma que aspectos genéticos e ambientais tornam os homens mais vulneráveis ao desenvolvimento do autismo, mas pondera que os diagnósticos em meninas têm crescido –pela primeira vez, a taxa ultrapassou 1% na pesquisa do CDC.
Os especialistas explicam que a falta de motivação social e dificuldade em manter amizades são sinais sutis do transtorno que muitas vezes passam despercebidos. A lista ainda inclui dificuldade de manter contato visual e de integração entre comunicação verbal e não verbal, entre outros sintomas.