Foi-se o tempo em que as capas de revistas e passarelas eram ocupadas apenas por mulheres de, no máximo, 30 anos. Hoje a moda dá abertura também para aquelas com mais de 60 anos, cabelos grisalhos e naturais e com poucos procedimentos estéticos.
Se antes a carreira de modelo era vista como efêmera e com idade marcada para acabar, as últimas semanas de moda de Paris, de Nova York e de Londres vieram para provar o contrário e confirmar essa tendência, quando modelos mais velhas desfilaram por marcas como Miu Miu e Balmain.
No Brasil, modelos mais velhas saíram à frente de grifes como Thear e André Lima na 57ª edição da São Paulo Fashion Week, que aconteceu no início deste mês.
Nesta semana, a província de Buenos Aires elegeu Alejandra Rodriguez, jornalista, advogada e modelo de 60 anos para concorrer ao Miss Argentina em 25 de maio. A disputa com alguém nesta idade é inédita e, caso seja vencedora, Alejandra poderá concorrer ainda ao Miss Universo.
Num espaço em que rostos jovens sempre foram predominantes, a cearense Vita Christofell, 63, também conseguiu garantir seu lugar. Produtora, trabalhou durante parte da vida na área da tecnologia e marketing, tudo muito burocrático, até migrar para o ramo do entretenimento com a produção do extinto “Xou da Xuxa”, sucesso dos anos 1980. E foi nos sets de filmagem que ela começou a se habituar com a fotografia.
Quando era mais jovem, Vita já tinha um pequeno interesse pela moda, influenciada, principalmente, por seu pai. “Ele gostava de acompanhar e eu achava o máximo assistir com ele os desfiles pela televisão”, afirma.
Aos 16 anos ela se mudou para São Paulo e até tentou algo na área, mas até então a indústria da moda brasileira não era tão consolidada —algo que aconteceu por volta dos anos 1990 com o surgimento das supermodelos e a hipervalorização de uma estética magra.
O desejo de adolescente foi abraçado por ela só em 2019, incentivada pela filha designer. “Ela me pediu uma máquina fotográfica de presente e eu fui o objeto de trabalho, quando vimos o resultado, ela me disse “mãe, você tem que desfilar”, lembra.
Na época, aos 58 anos, ela vivia em Tiradentes, Minas Gerais, e repensou tudo o que fez durante a vida para embarcar de vez na nova profissão. “Me perguntei quantos anos ainda vou viver antes de decidir seguir essa experiência”, diz.
A partir dali, as fotos tiradas pela filha foram encaminhadas para uma agência de modelos de Belo Horizonte, capital a 200 km de onde moravam. O primeiro trabalho foi uma campanha de lingerie e no mesmo ano ela desfilou para o estilista Ronaldo Fraga, na SPFW, numa coleção que homenageava o pintor Portinari.
“Tenho amado representar as mulheres da minha idade. Também gosto de trabalhar com isso porque as mulheres me fortalecem. É muito enriquecedor estar numa passarela, mesmo que ao lado de tops”, diz.
Hoje ela faz parte da agência Ford e diz não ter enfrentado grandes desafios na transição de carreira ou em relação a questões etaristas, como os cabelos grisalhos, pelo contrário. Segundo Vita, a união feminina a ajudou. “As agências até se interessaram pelo meu cabelo. Acho que a vaidade está ligada à nossa essência, e isso não é algo arrogante, é uma vaidade de alegria, de se sentir bonita e cada uma tem seu brilho”.
Além das passarelas e editoriais para grifes, hoje Vita também gosta de dançar flamenco e, mais recentemente, adentrou ao corpo de balé da “Ópera Carmen”, que estreia no Theatro Municipal de São Paulo, em 3 de maio.
Proprietário da agência Way Model, Anderson Baumgartner, o Dando, trabalha há 26 anos com moda e se lembra que, recentemente, era comum que modelos mentissem a idade ao completar 30 anos. “Lembro que tinha umas que até brincavam falando que tinham 28 há três anos para as pessoas não desconfiarem”, completa.
Modelo há apenas dois anos, um dos fatores que deu abertura para Cláudia Chaves, 61, chegar aos comerciais e passarelas foi justamente sua idade.
Interessada por moda desde criança, por conta da altura, cresceu ouvindo que deveria seguir a carreira de basquete ou do mundo da moda, mas ela diz nunca ter tido incentivo para isso. “Na minha época, as referências de modelos que tinha era Xuxa e Luiza Brunet, ou seja, não tinha espaço para mim, uma menina negra.”
Quando estava na faculdade, até chegou a desfilar para alguns colegas que possuíam lojas, mas não era nada profissional. Formada em turismo, Cláudia sempre trabalhou com administração hoteleira, chegando a morar em estados como Bahia e Mato Grosso.
A reviravolta em sua vida veio com a pandemia, quando o resort onde trabalhava fechou as portas. “Eu não consegui outra colocação, acho que até por conta da minha idade. Então fiquei um tempo sem fazer nada”, relata.
Cláudia foi adentrar, de fato, o mundo da moda só em 2022, quando uma marca de refrigerantes precisava de uma mulher com cabelos grisalhos para uma campanha. “O meu cunhado me apresentou essa sugestão e eu enviei umas fotos”, afirma.
Dali em diante sua vida mudou. Outros comerciais vieram e, mais recentemente, ela desfilou pela primeira vez na São Paulo Fashion Week. “Faço comerciais de televisão para redes de fast food, bancos e algumas lojas, então desfilar em uma passarela, para mim, foi um divisor de águas.”
O maior desafio para entrar nesse ramo, segundo ela, foi encarar pessoas com idades entre 18 e 20 anos fazendo o mesmo tipo de trabalho que ela. “Da minha idade eu só via empresária e patrocinadora, e nenhuma delas era negra como eu.”
Sua idade, no entanto, nunca foi uma questão. Claudia é assumidamente grisalha desde os 55 anos. “Já chegaram a me dizer que esse tipo de cabelo me envelhece, mas eu tenho essa idade e gosto de mostrar quem eu sou.”
Entusiasmadas com a moda ou não, as histórias de Vita e Cláudia se cruzam também com a de Ana Costa Galli, 63. No mundo da moda, as três encontraram as possibilidades em frente às câmeras graças a quem são e à idade que têm.
Também natural de São Paulo, Ana começou a trabalhar como modelo há cinco anos, por acaso. Formada em publicidade, ela sempre produziu peças e campanhas, então estava do lado oposto do que é hoje.
“Foi completamente sem querer, eu era publicitária e uma amiga que trabalhava em uma agência de modelos um dia me disse que precisava de uma mulher grisalha”, diz. E sua resposta foi não.
Por muito tempo, Ana pintou o cabelo em semanas alternadas, mas há nove anos essa história mudou. “Um dia me cansei porque nada me faria deixar de ter cabelo branco. Então cortei para ficar todo grisalho, as pessoas questionavam por que eu tinha feito aquilo, mas gostei muito e acho que me deu personalidade.”
Quando finalmente disse sim para as câmeras, fez uma campanha de biquíni. O resultado foi um choque. “Abri a revista, tomei um susto quando vi que aquela era eu”, lembra Ana. A nova carreira deu um empurrão em sua autoestima. “Nunca imaginei que fosse sentir essa coisa fantástica.”
Para Anderson Baumgartner, a preservação da beleza natural das mulheres com mais de 60 anos é uma tendência. “Eu acho que se essa mulher com mais 60 começar a fazer procedimentos bruscos como plásticas e pintar o cabelo, ela vai concorrer com as modelos de 40 anos, e não é essa a ideia, ela está ali para mostrar a idade que ela tem, para ser um motivo de orgulho”, completa.
Hoje Ana já não trabalha mais com publicidade, e a vida de modelo virou sua única e exclusiva profissão. “Esse é o meu foco e eu adoro, é uma delícia. Apesar de ser um desafio porque eu jamais imaginei fazer isso na vida, está sendo um redescobrimento.”
O etarismo nunca foi um problema para ela. Pelo contrário, Ana diz sempre ter sido tratada muito bem pelos mais novos. “Sinto que hoje os modelos sêniors têm até orgulho de falar a idade”, diz.
Vindo do inglês ageism, o termo também denominado idadismo foi criado em 1969 por um gerontólogo norte-americano.
A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) afirma que o etarismo ocorre quando a idade é usada para categorizar de maneira prejudicial, com desvantagens e injustiças, e para arruinar a solidariedade entre as gerações.
As marcas precisam seguir essa tendência, ressalta Baumgartner. “Essas mulheres precisam ser representadas porque elas também são consumidoras e compram aquela marca.” O avanço é simbólico e irreversível, na visão dele. “Essas consumidoras não vão mais aceitar não serem representadas.”
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