Compostagem humana vem ganhando adeptos e ampliando mercado nos Estados Unidos Quando era estudante de arquitetura, Katrina Spade já buscava uma solução para a escassez de espaços em centros urbanos e o alto custo para enterrar os entes queridos. Em Manhattan, por exemplo, um túmulo pode custar R$ 1 milhão, sem contar as demais despesas relativas a um funeral. A cremação, embora mais em conta, também não era uma opção que lhe agradasse, uma vez que o processo utiliza combustível fóssil suficiente para percorrer 800 quilômetros de carro e libera poluentes tóxicos. Foi quando passou a se dedicar à compostagem humana. Antes de você ficar de cabelos em pé com a ideia de virar adubo – ideia que me fascinou – vale entender como funciona uma redução orgânica natural (NOR em inglês), como seus criadores preferem chamar, que não agride o meio ambiente.
Compostagem humana: microorganismos se encarregam da decomposição orgânica do corpo, processo que leva cerca de 30 dias
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A empresa de Spade, Recompose, funciona em Seattle, no estado norte-americano de Washington, o primeiro a permitir o serviço, em 2019. Em seguida, vieram Colorado e Oregon (2021); Vermont e Califórnia (2022); e, no dia 30 de dezembro, Nova York passou a integrar o grupo. Em primeiro lugar, recapitulemos as aulas de biologia: a decomposição da matéria orgânica, realizada por fungos e bactérias, é essencial para um solo saudável, capaz de filtrar a água da chuva, garantir nutrientes para a plantas, retirar gás carbônico da atmosfera e regular a temperatura. Optar pela compostagem humana significa integrar o ciclo da natureza, como explico nesse passo a passo do processo:
O corpo da pessoa morta, envolvo numa mortalha de algodão, fica numa espécie de cama feita de lascas de madeira, serragem, palha e alfafa. Parentes e amigos participam da cerimônia de despedida, depositando flores ou outros materiais orgânicos.
Em seguida, ele é colocado numa urna cilíndrica (são 54 no total), onde permanece durante cerca de 30 dias, durante os quais os microorganismos se encarregam da decomposição do corpo. A temperatura é controlada, as urnas são giradas regularmente e ar é injetado no local para garantir as condições adequadas para o trabalho de fungos e bactérias.
No final, restam fragmentos de ossos e implantes, como próteses, além de um rico composto orgânico, que é testado para se ter certeza de que não há elementos químicos nocivos. Os fragmentos são triturados num cremulador – usado em cremações – e os implantes são destinados à reciclagem.
O solo resultante atravessa ainda mais uma etapa de secagem, que dura de duas a quatro semanas, resultando num volume de um metro cúbico, o suficiente para encher 36 sacos. O material pode ser levado pelos familiares, para ser utilizado no seu próprio jardim ou quintal, ou doado.
Urnas para compostagem humana: a Recompose dispõe de 54 compartimentos
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Segundo a assessoria da Recompose, 60% das famílias doam a compostagem para uma área de conservação chamada Bells Mountains, com a qual mantém parceria, guardando apenas uma pequena quantidade de solo como lembrança. A empresa atende clientes de outros estados, onde o serviço não é permitido, e há até um plano de prestações antecipadas para cobrir os custos de US$ 7 mil (cerca de R$ 37 mil), com cerca de mil participantes. O mercado vem crescendo com outras modalidades. A Transcend, por exemplo, optou por algo mais simples, batizado de “Tree Burial” – na verdade, o enterro sob uma árvore. Através de convênios com propriedades que disponham de cobertura florestal, oferece inclusive o funeral para animais domésticos. The living urn desenvolveu um modelo de urnas biodegradáveis de bambu, com diferentes tipos de mudas de árvores e um compartimento para as cinzas da cremação. Basta transferir os restos mortais para o vaso e enterrá-lo – e eles se misturarão com a terra alimentando o ciclo da vida.