A maternidade vem atrelada a muitas transformações na vida de uma mãe, as positivas e as negativas. Certas preocupações são universais e, outras, particulares. Uma delas é o medo de morrer, algo experienciado por muitas pessoas depois de se tornarem responsáveis por um filho.
A transição para a maternidade traz consigo uma intensificação do vínculo emocional com o bebê e uma preocupação ampliada com a proteção da criança em um mundo repleto de desafios, explica Sônia Portes, mestre em psicologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
“Esse temor não se limita apenas à própria mortalidade, mas também se estende ao receio de deixar seus filhos órfãos e desamparados. A maternidade é marcada por uma montanha-russa de emoções, desde a alegria extasiante do nascimento até a ansiedade penetrante sobre o futuro”, afirma.
As mudanças hormonais e físicas que ocorrem durante a gravidez e o parto, aliadas à transição para a responsabilidade de cuidar de um novo ser.
“Eu não tinha medo de morrer antes de eu ser mãe “, conta Amanda Cylke, analista de comunicação, de 31 anos. Ela considerava natural a ideia da morte, uma possibilidade distante que estava sempre presente, mas que não a consumia. “Isso, com certeza, mudou porque hoje eu tenho uma filha, um ser humano que eu deixei no mundo”.
Com a filha Lorena com apenas quatro meses de vida, teve início a pandemia de Covid, e Cylke e seu marido se isolaram de forma rigorosa.
A possibilidade de adoecer e deixar sua filha desamparada a assombrava constantemente, levando-a a viver sob o constante temor de contrair o vírus e transmiti-lo à sua família. “O nascimento da Lorena e a pandemia mudaram muito a minha perspectiva sobre a morte”, diz.
A bancária Biancca Souza, 34, afirma que desde que se tornou mãe é mais cautelosa para evitar qualquer possibilidade de risco. “Até ao andar de avião planejo o que poderá ocorrer e oriento meus familiares”.
Segundo a psicóloga Letícia Billarrubia Sampaio, cada indivíduo experimenta a maternidade de maneira única, mas de forma geral, há mudanças significativas tanto a nível mental, emocional e biológico. “A própria ideia da maternidade pode ter muito a ver com a cobrança, aquela de que a mãe tem que ser perfeita, não pode errar, tem que dar conta de tudo”, relata.
Ainda, o medo durante a maternidade pode afetar o bem-estar mental e emocional das mães.
Essas transformações podem trazer sobrecarga, acompanhada de estresse. A pressão associada à ideia da maternidade perfeita, na qual se espera que a mãe não cometa erros e consiga lidar com todas as demandas, pode ser avassaladora. Mesmo que de forma inconsciente, essa expectativa de perfeição coloca um peso adicional sobre a mãe, criando uma sensação de que ela não pode falhar.
A consultora pedagógica Rosiris Maturo Domingues, de 57 anos, compartilha um outro lado dessa relação entre a maternidade e a morte. Ela tem dois filhos, uma mulher de 36 anos e um menino, de 14 anos. A filha foi diagnosticada com leucemia em 2022.
“Eu me vi sem forças, ciente da minha falta de controle da vida e com a possível dor de perder um filho. Hoje, ela está em remissão e vivemos cada dia uma vez”, conta Domingues.
Já o filho adolescente enfrenta crises existenciais devido à sua dupla excepcionalidade, que envolve autismo e superdotação. Há o receio por ele expressar ideações suicidas e não enxergar sentido na vida.
“Outra luta muito tensa. Estou descobrindo o mundo pelo ponto de vista dele para estar verdadeiramente ao lado dele, não como eu gostaria que ele fosse, mas como ele é, com a missão que temos juntos”, conta.
A pedagoga conta que quando sua filha era pequena seu desejo era vê-la crescer e se tornar independente antes que ela pudesse partir, e agora, tem uma preocupação em relação a morte com seu segundo filho.
“Eu não posso morrer, mas apesar de tantas lutas que todo ser humano passa, amo viver, preciso viver, por meus filhos e por mim”, completa Domingues.
Sônia Portes explica que este medo das mães de não poderem nunca falhar pois os filhos dependem dela está ligado à ansiedade, resultando em uma liberação de corticóides que pode levar a várias doenças psicossomáticas e transtornos mentais, como depressão e transtornos de ansiedade.
Quando esse sentimento se torna algo excessivo, pode levar à superproteção dos filhos, prejudicando a autoestima e independência emocional deles. As mães estão sujeitas a desenvolver comportamentos obsessivo-compulsivos, como verificar constantemente o bem-estar do bebê, afirma Portes.
A falta de apoio social e de uma rede de suporte adequada durante o período do puerpério intensifica esses medos e a sensação de solidão enfrentada pelas mães. As duas psicólogas afirmam que essas redes são fundamentais para mães que estão passando por dificuldades relacionadas ao medo excessivo.
“Esse estilo parental de superproteção vai afetar profundamente, de maneira negativa, a autoestima da criança, porque é um filho superprotegido, ele não confia em si, ele tende a ser uma pessoa insegura, uma pessoa dependente emocionalmente de outras pessoas para fazer, para viver, para trabalhar, para sentir, para existir”, diz Portes.
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