A nutricionista Lina Nonaka, 53, recebeu o diagnóstico de Alzheimer no começo deste ano e, de imediato, associou medicamentos e mudanças no estilo de vida para adiar os avanços da doença e manter-se independente.
O que ela quer que não mude, porém, são suas perspectivas de futuro. O foco agora é cuidar da saúde para acompanhar os filhos e estar presente em momentos importantes, como formaturas e casamentos.
“Ver meus netos nascerem”, diz ela.
Com o apoio da família, Nonaka mantém sua rotina. Faz compras, ajuda no preparo de refeições e frequenta lugares habituais. “Estou escrevendo o que tenho que fazer no dia a dia, porque fica visível, não fico dependendo da memória. Tenho que ficar com esse papel para poder ver o que já fiz ou o que tenho para fazer”, conta. “Por enquanto, não tenho muitas dificuldades de autonomia.”
Números reunidos pela ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer) apontam que receber o diagnóstico de Alzheimer ou alguma outra demência é algo que preocupa 80% dos brasileiros. Celene Pinheiro de Oliveira, geriatra e presidente da associação, observa, porém, que a maioria da população, incluindo profissionais de saúde, tem a crença errada de que a doença é inerente ao envelhecimento, o que faz com que deixem de buscar tratamento precoce e informações.
De acordo com relatório da Alzheimer’s Disease International de 2019, o estigma é tão grande que 19,5% dos profissionais de saúde e 26,5% do público geral se esforçariam para manter seu quadro de demência em segredo. A previsão, contudo, é que os casos da doença no Brasil e na América Latina subam até 200% de 2019 a 2050 –o que exige uma nova percepção da doença.
Thais Bento Lima da Silva, gerontóloga, professora do curso de gerontologia da USP (Universidade de São Paulo) e diretora da ABRAz-SP, diz que o tratamento tardio para demências ainda é uma realidade no Brasil. Isso faz com que pacientes cheguem em estágio avançado, com poucas perspectivas pessoais de futuro.
“Quanto mais grave um quadro demencial, maior será a presença de alterações comportamentais, o prejuízo funcional e a dependência do indivíduo. Nesse sentido, quando a gente fala do tratamento no tempo certo, não é visando a cura, porque não existe, mas uma melhor qualidade de vida para cuidador, familiares e pessoa que tem demência, porque terá respostas melhores”, afirma.
O engenheiro mecânico Daniel da Rosa München, 53, recebeu o diagnóstico de Alzheimer em 2023. Buscou ajuda quando percebeu que episódios de falta de memória e desorientação começaram a surgir com mais frequência. Os sintomas incluíam sonolência excessiva, dificuldade de concentração e perda da noção de tempo.
A saída, para ele, foi colocar o foco no momento presente e continuar fazendo tarefas menos complexas, como lavar a louça e ir à academia. “O legal é as pessoas entenderem as dificuldades que a gente tem e nos ajudarem quando a gente precisar. Isso e saber a condição que a gente está é o mais importante”, diz ele.
Sem tratamento, a autonomia média do indivíduo em estágio de comprometimento cognitivo leve dura cerca de sete anos, segundo o psiquiatra Lucas Mella, coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica e Neuropsiquiatria da Unicamp (Universidade de Campinas).
O tratamento precoce, por sua vez, permite prolongar essa independência de modo significativo, afirma. “A gente tem muitas alternativas para mitigar esse risco com redução da conversão para demência ao longo do tempo, com atividade física combinando aeróbia e anaeróbia pelo menos três vezes de 50 minutos por semana ou cinco vezes de meia hora”, destaca Mella.
Manter uma vida ativa e com alimentação saudável, bem como controlar riscos vasculares, colesterol, diabetes, hipertensão e tabagismo, são hábitos que ajudam a retardar o declínio. Sintomas de depressão, apatia e alterações de sono fazem parte do prognóstico demencial e precisam de acompanhamento médico.
A tecelã aposentada Maria Martiniano Brito, 79, recebeu o diagnóstico de demência ao realizar uma tomografia de crânio. Com medicação, rotina ativa e acompanhamento médico, conseguiu estagnar a doença e manter a autonomia.
“Essa notícia, quando a gente recebe, tem aquele choque, mas o médico me deu remédios e faço tudo sozinha. Vou ao supermercado, à feira, à farmácia, cuido da casa, quase não paro e me sinto bem”, diz Brito.
O diagnóstico da matriarca mexeu com o dia a dia da família. A sobrinha Renata Martiniano de Brito, 43, começou com cuidados preventivos, como caminhada e mudanças na alimentação.
“Minha tia até agora não deixou de fazer nada do que já fazia. Temos que ficar mais atentas quando ela coloca uma coisa no fogo, não tem tanto equilíbrio, mas a vida dela segue normal”, conta.
Carla da Silva Santana Castro, terapeuta ocupacional e docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, pontua que é possível treinar habilidades específicas da cognição para manter o paciente autônomo por mais tempo.
“Esse treinamento tem foco em manter as habilidades de desempenho, identificando dificuldades apresentadas e treinando-as de modo que se possa compensar o déficit por meio de estratégias”, afirma Castro.
A proposta inclui ajustar o ambiente de casa e do trabalho para torná-los mais funcionais, seguros e fáceis de usar, além de implementar recursos como um calendário de organização de tarefas ou alarmes no celular para compromissos e medicações.