A cidade de São Paulo não tem imunizante suficiente para a aplicação da segunda dose da vacina contra a varicela (catapora).
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, o Ministério da Saúde tem enviado quantidade insuficiente.
No SUS (Sistema Único de Saúde), a compra de vacinas cabe ao Ministério da Saúde. O quantitativo é repassado às federações para distribuição aos municípios.
O esquema é composto por duas doses: a primeira como parte da tetraviral SCR-V (sarampo, caxumba, rubéola e varicela —atenuada); a segunda, com a vacina varicela.
Com a falta da vacina varicela, a capital paulista realiza a aplicação da primeira dose aos 15 meses, conforme calendário vigente. A segunda, que deve ser dada aos 4 anos, é disponibilizada de forma parcial e gradual.
O desabastecimento desta vacina não é novidade em nenhuma das instâncias governamentais. Em fevereiro deste ano, o ministério fez uma compra internacional emergencial.
No mesmo mês, o estado de São Paulo solicitou 230 mil doses e recebeu 46 mil.
Em março e abril, foram solicitadas mais 460 mil doses, e em maio outras 230 mil. Até o momento, o governo federal não enviou o quantitativo dos últimos meses mencionados.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde alegou que o laboratório responsável pela produção da vacina contra a varicela tem enfrentado problemas técnicos que afetaram a regularidade da distribuição no primeiro semestre.
O órgão diz que faz compras emergenciais com outros fornecedores nacionais e internacionais. Ainda assim, a capacidade de fabricação e de entrega dos laboratórios não atende à necessidade integral do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Enquanto não houver restabelecimento do fornecimento total, o estoque disponível será distribuído de forma restrita.
Segundo o ministério, em 2024, foram enviadas ao estado paulista 170 mil doses da vacina contra a varicela —92 mil em janeiro, 32 mil em fevereiro e 46 mil em março.
O órgão disse que também mandou a São Paulo 240 mil doses da vacina tetraviral, que contém o componente da varicela —80 mil em fevereiro, 80 mil em março, 50 mil em abril e 30 mil em maio.
Surtos de catapora são mais comuns em escolas e creches
De 1º de janeiro a 15 de junho, a capital paulista teve 69 surtos de catapora com 127 casos, no total. Maio foi o mês com mais surtos (25) e casos (47).
Os locais com as maiores incidências de surtos de catapora são as escolas e as creches.
De acordo com o CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) do estado de São Paulo, até maio deste ano, foram registrados 98 surtos de varicela —um em janeiro; 14 em fevereiro; 25 em março; 29 em abril e 29 em maio. As cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto e Piracicaba tiveram mais surtos.
No mesmo período de 2023, houve 110 surtos —quatro em janeiro; 19 em fevereiro; 41 em março; 22 em abril e 24 em maio. A reportagem perguntou o número de casos em cada surto, mas o CVE não informou.
Para a pediatra Ana Escobar, professora associada da Faculdade de Medicina da USP, o reforço é importante, mas a primeira dose é essencial e já oferece boa proteção. Segundo a médica, a falta temporária não terá força suficiente para desencadear surtos, mas ela admite que pode haver aumento de casos.
“Como a maioria das crianças toma essa dose, se a gente conseguir uma cobertura vacinal boa — e está aumentando a cobertura vacinal porque é a mesma vacina do sarampo—, o número de casos tende a diminuir. Portanto, o número de vírus selvagens circulando também diminui. Isso já protege um pouco as crianças”, comenta a professora.
Paulo Abrão, membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia e professor de infectologia da Unifesp, alerta para o risco de a segunda dose ocorrer muito tempo após a primeira.
“Se essas crianças forem vacinadas, mesmo que com um certo atraso, não vejo maiores problemas. Agora, se realmente essa vacina demorar demais, o que pode acontecer? Além de existir muito tempo entre as doses, não seria muito bom, porque há um período regulamentar. E pode acontecer que ela seja dada muito tardiamente ou até de esquecer de completar esse calendário. Então, você aumentaria o número de suscetíveis. São Paulo é uma região com muitas crianças”, afirma o infectologista.
O Programa Nacional de Imunizações disponibiliza na rotina uma dose da vacina SCR-V aos 15 meses. A segunda dose da varicela é aplicada aos 4 anos de idade, com a vacina varicela isolada.
A Sociedade Brasileira de Imunizações e a Sociedade Brasileira de Pediatria recomendam na rotina uma dose aos 12 meses e outra entre 15 e 24 meses de idade. No caso, a vacina SCR-V pode ser substituída pelas vacinas tríplice viral (SCR) e varicela. Essas doses coincidem com o esquema de imunização da vacina SCR e, portanto, a vacina SCR-V pode ser usada nas duas doses.
Catapora pode ser grave
A catapora é uma doença infecciosa, caracterizada pelo surgimento de pequenas bolhas na pele com base avermelhada e que coçam bastante. O paciente pode apresentar febre baixa ou moderada por até quatro dias, cansaço, dor de cabeça e perda de apetite. Os sintomas, em geral, começam no décimo dia após o contágio.
É causada pelo vírus varicela-zóster e transmitida de pessoa a pessoa, pelo contato direto com o líquido da bolha, através de objetos contaminados, de secreções respiratórias (tosse, espirro, saliva).
Em crianças, a doença tem característica benigna e é controlada pelo próprio organismo. O tratamento é a base de antivirais.
Em alguns casos, principalmente nos adultos, a catapora pode apresentar quadros mais graves, como pneumonia, encefalite, comprometimento dos pulmões e fenômenos hemorrágicos, por exemplo. Nestes casos, há risco de vida.
“Se a pessoa se recupera da catapora, o vírus da varicela fica dormente no organismo, nos neurônios, especialmente nos da espinha. Se acontecer, no futuro, alguma queda da imunidade ela terá uma nova doença com o mesmo vírus —herpes-zóster, que é aquela doença que acomete e inflama os nervos periféricos, e dá lesões regionais na superfície da pele. É muito dolorosa, pode evoluir bem, mas também com uma dor neuropática bem incomodativa e crônica. Então, quando eu vacino contra a varicela, eu também evito o hérpes-zóster”, finaliza Paulo Abrão.