Muitos casais discutem sobre abrir relacionamentos e deixar que ambas as partes se relacionem afetivamente com outras pessoas. Mas o caminho inverso, ou seja, tornar a relação monogâmica, também é uma realidade que, para alguns, serve para reaproximar um ao outro.
Com a oraculista Lorena Gomes, 30, e o publicitário Gustavo Blosfeld, 33, foi isso o que aconteceu. Eles se conheceram em 2019 pelo Instagram e, na época, Gustavo tinha acabado de terminar um namoro de oito anos —por isso, dizia que não queria se estabilizar em um relacionamento. “Mas a gente gostava da companhia um do outro, então sempre ficávamos tentando entender esse ponto”, diz ele.
A sugestão de terem um relacionamento aberto foi de Lorena. “Eu sempre vi o amor nessa perspectiva da liberdade”, diz ela, que teve uma experiência malsucedida. “Eu era muito imatura, acho que a moça também. A gente não tinha muita segurança no que estava fazendo”, diz.
“De maneira geral, o que está acontecendo com muita frequência, é uma das partes propor a abertura da relação. Ou seja, cada um transar com quem quiser. Mas, dentro disso, existem nuances”, afirma Regina Navarro Lins, psicanalista e autora do livro “Novas Formas de Amar”.
Não existem parâmetros exatos para saber qual é a melhor forma de manter uma relação aberta, afirma a especialista. Mas algumas regras vão se impondo. Para Lorena e Gustavo, elas eram poucas: ser sincero e responsável com todos os envolvidos e não dormir fora de casa —essa última considerada “praticamente inconcebível” por eles.
É comum relacionamentos abertos terem alguns acordos, mas isso também ocorre em relações monogâmicas. “Acontece que a regra já vem pronta e já está em prática. A diferença é que você não as questiona”, afirma Filipe Starling, psicólogo clínico, terapeuta de casal e autor do livro “Não-Monogamia Responsável: Abrindo a Relação Com o Cuidado Que Ela Merece”.
As relações que Lorena e Gustavo tinham fora do namoro eram casuais, mas já aconteceu de ela se apaixonar por outra pessoa, que no fim não quis permanecer no meio dos dois. Enquanto ela sofria, Gustavo ficou ao seu lado o tempo inteiro, consolando a namorada. Ele diz que as pessoas ficam abismadas quando ele conta essa história.
“Nós todos fomos aprendemos a acreditar que quem ama não tem interesse por mais ninguém. Porque o amor romântico prega isso. As pessoas são obcecadas por essa história de exclusividade”, diz Navarro Lins.
Assim como em qualquer outra relação, os dois enfrentavam desafios. Para Lorena, a pior parte era ver seu companheiro se relacionar com alguém com muita intimidade e fazer falta. Esse foi um dos motivos que os levaram a fechar a relação. “Foi chegando um momento em que o Gu disponibilizava tesão, desejo e humor para outras pessoas e em casa eu ficava só com os problemas, com a parte complexa dele”, diz ela.
Os dois vivem praticamente casados e possuem obrigações e responsabilidades em comum. “Não é uma questão de carência, longe disso, mas de companheirismo”, afirma Lorena.
Em meados de 2023, ela sugeriu que eles se relacionassem só entre si. A decisão imediata não foi terminar e sim fechar a relação. O casal afirma que tem funcionado.
No início, porém, não era consenso. “Eu me senti injustiçado, ao mesmo tempo que eu sabia que realmente precisava [fechar a relação]. Aquilo tinha se tornado um hábito”, diz Gustavo. Eles dizem que foi importante para se reconectarem.
O analista de marketing Vinicius Aleixo, 32, e o seu namorado também resolveram fechar a relação a partir do momento em que ambos estavam se chateando. “Não era motivo de grandes brigas, mas a gente estava constantemente machucando um ao outro, ou deixando o outro desconfortável, ou o outro triste e, não estava valendo a pena machucar uma pessoa com essa situação para viver essa dita ‘liberdade’”, diz.
Ele e o namorado se conheceram no Réveillon de 2021 para 2022 e, por morarem em cidades diferentes, se viam pouco nos primeiros meses. Até que, um ano depois, eles começaram a se ver com mais frequência, iam para festas e ficavam com outras pessoas também. Assim permaneceram por cinco meses, até que a coisa ficou séria no ano passado. “Quando começamos a namorar, a gente meio que seguiu o fluxo do que já estava acontecendo, então o nosso relacionamento já começou aberto”, afirma.
A ideia de fechar foi um consenso entre os dois. “Com o amadurecimento da nossa relação e a gente pensando em conquistar coisas maiores, em morar junto em breve, já não era mais uma preocupação que a gente queria ter, porque acabou virando uma preocupação de ambos os lados”, diz Vinicius.
Starling afirma ser comum perguntarem por que, então, a pessoa não fica solteira e tem a sua liberdade garantida. Mas, para ele, esse não é o ponto. “O problema não é ser monogâmico, o problema é a monogamia imposta. Ninguém te pergunta se isso vai ser bom para você”, diz. “A questão não é o modelo que você escolhe, é o fato de você poder escolher.”
Por outro lado, Navarro Lins pensa que esse movimento de fechar o relacionamento pode não dar muito certo. “A impressão que eu tenho é que não funciona. Quando as pessoas propõem isso é por medo de perder o outro, de acabar a relação e por aí vai.”
Para Lorena, um relacionamento não tem uma fórmula única e não é linear, por isso resolveu tentar outra configuração com seu parceiro. “As pessoas podem ser o que quiserem dentro da relação, desde que elas se respeitem, se organizem e cuidem uma da outra. Se vai beijar alguém, transar com alguém, isso é tão pequeno perto do que a vida é e pode ser”, diz.
Os especialistas seguem o mesmo pensamento. “O que é mais importante numa relação é que as pessoas estejam juntas, não por necessidade, mas pelo prazer da companhia. Que as pessoas tenham uma visão de mundo semelhante e, principalmente, que respeite a individualidade do outro”, diz Navarro Lins.
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