Oferecer educação igualitária, nutrição, saúde, segurança e cultura no ambiente escolar, além de fortalecer direitos para que pais possam trabalhar sem preocupações nos primeiros anos de vida dos filhos são algumas premissas de políticas públicas para a primeira infância pelo mundo. Países investem na criação de programas voltados a crianças de até seis anos, mas esbarram na falta de orçamento e de acesso das famílias.
Uma boa política precisa oferecer serviços de saúde, educação infantil, assistência social e garantir que eles estejam integrados, diz Maíra Souza, oficial de primeira infância do Unicef no Brasil. Mas o acesso e a qualidade desses serviços costuma ser ineficiente.
“Ainda enxergamos o desafio da insuficiente priorização do orçamento público. Além disso, os impactos dos programas de primeira infância muitas vezes são percebidos a longo prazo, o que pode, inclusive, comprometer a vontade política para investir no monitoramento e avaliação de sua qualidade”, explica.
Na Colômbia, o programa “De Cero a Siempre” entende a educação como porta de entrada para os direitos das crianças e prevê “atenção integral”, o que inclui 200 variáveis, entre elas a emissão de um documento de identidade, registro no sistema de saúde, vacinação e cuidados a mulheres lactantes.
O programa, que foi implementado em 2010 e se tornou lei em 2016, porém, tem alcance limitado. Segundo a diretora de Primeira Infância do ICBF (Instituto Colombiano de Bem-Estar e Saúde), María Mónica Martínez, das cerca de 5 milhões de gestantes e crianças menores de seis anos do país, as que recebem atenção integral são 1,7 milhão.
“Cerca de dois milhões estão na oferta privada, devido às condições socioeconômicas. A oferta pública deveria chegar a 2,9 milhões ou 3 milhões”, diz ela. “A Colômbia ainda não tem um orçamento robusto para atender a todos, por isso, fizemos uma priorização. Vamos chegar à cobertura universal para os povos étnicos [indígenas e afro-colombianos] nos próximos dois anos.”
Mesmo países ricos, como Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e Suíça, falham em oferecer políticas que sejam ao mesmo tempo boas e acessíveis para todas as famílias, aponta um relatório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) divulgado em 2021 que avalia acessibilidade e preço de programas de cuidados de crianças e licenças parentais. Países europeus, como Luxemburgo, Alemanha, Portugal e Letônia parecem ser exceções, com bons índices de licenças maternidade e paternidade, e amplo acesso de creches e berçários, que têm preços mais baixos.
Uma das maiores dificuldades dos programas, principalmente em países pobres ou desiguais, é organizar as diversas áreas necessárias para formação da política pública, principalmente porque, nesses lugares, o estado precisa atuar além da educação, explica a professora Tássia Cruz, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). A articulação política e administrativa necessária para colocá-los de pé é grande, diz –e o fato de que a educação para a primeira infância não é obrigatória na maioria dos países, dificulta ainda mais que essas políticas recebam atenção e orçamento públicos.
A operária colombiana Gina Paola Palacios, 29, moradora de Soacha (região metropolitana de Bogotá) foi acompanhada pelo ICBF desde os três meses de gestação. “Aprendi sobre a estimulação do bebê desde que estava na barriga. Faziam visitas aos domicílios e entregavam um complemento nutricional”, conta.
Sua filha Valery Isabella, 3, frequenta um “hogar infantil”, uma espécie de creche que atende a 170 crianças em situação de vulnerabilidade ou risco de pobreza. A equipe conta com psicóloga, enfermeira, nutricionista, assessor pedagógico e coordenadora, além das professoras e manipuladoras de alimentos.
“Participamos de oficinas sobre a corresponsabilidade do pai e da mãe na educação dos filhos e sobre a prevenção de doenças”, diz o pai, Juan David Amado, 28, auxiliar de armazém.
Na país, os diferentes modelos de educação infantil são desiguais. No ano passado, Valery estava em um “hogar comunitário”, no qual uma única pessoa atende aos alunos. “Como era a professora que cozinhava, fazia a limpeza e ensinava, ela não conseguia estar o tempo todo com as crianças. A gente vê a diferença no aprendizado”, afirma Amado.
Apesar de ter aumentado a cobertura na educação, a política pública não melhorou os dados sobre a qualidade de vida da primeira infância no país. Segundo María Cristina Torrado, coordenadora do Observatório sobre a Infância da Universidade Nacional da Colômbia, fatores como a rede de apoio às mães e a pandemia também influenciam nos resultados. “Há avanços nas cidades, em algumas capitais de estados, mas em outras zonas a implementação é muito baixa, principalmente em áreas rurais”, afirma.
Na Dinamarca, onde o programa de primeira infância foca na licença remunerada de até um ano e garantia legal de vagas em creches e berçários subsidiados pelo governo, a taxa de crianças de um a cinco anos inscritas chega a 92% no país, segundo Merete Vilsen, coordenadora municipal do programa.
O problema, no caso, mora na falta de educadores. O país prevê um educador para cada três crianças, mas enfrenta dificuldade para encontrar mão de obra especializada.
De acordo com a pesquisadora Caroline de La Porte, membra da Rede Nacional Dinamarquesa para Estudos do Estado de Bem-Estar do país, a maior dificuldade agora é conseguir tornar a profissão de educador atrativa, já que os salários são considerados baixos e poucos jovens procuram formação na área, o que tende a prejudicar a qualidade do serviço.
“O nível salarial para os trabalhadores de cuidado infantil não é alto, ainda que a profissão tenha recebido um aumento que vai ser escalonado nos próximos anos. Muitos jovens procuram empregos mais atrativos, então a demanda pela graduação de pedagogia está diminuindo –e já foi uma das maiores da Dinamarca. Outro problema é que mesmo quem ingressa nessa profissão costuma deixá-la após dois anos”, diz La Porte.
O país está entre os dez primeiros no relatório da Unicef, e estabelece subsídio para os pais de acordo com o número de filhos, renda familiar e condição de monoparentalidade.
No Reino Unido, o Estágio de Fundação para os Primeiros Anos (EYFS, na sigla em inglês) atende crianças de 0 a 5 anos com a premissa de entregar ensino, desenvolvimento cognitivo, segurança e saúde. O currículo usa jogos e brincadeiras para ensinar linguagem e matemática, mas também “desenvolvimento social, emocional e físico, conhecimento de mundo e expressividade”. O progresso da criança é avaliado por um médico entre os 2 e 3 anos.
O principal problema é o preço. Segundo o relatório da Unicef, o Reino Unido se encontra no 35º lugar entre 40 países em acessibilidade. Embora seja público, o programa é pago e a gratuidade depende da situação financeira e laboral dos pais, além da idade da criança e o status migratório dos responsáveis. Aquelas de nove meses a quatro anos são elegíveis ao serviço gratuito.
Na Ásia, o Japão é um dos destaques do continente, com licenças maternidade e paternidade que podem chegar a um ano e creches e berçários com qualidade estrutural e de ensino. Mas o país também falha no acesso. Apesar de ter aumentado nos últimos anos, o ritmo de expansão ainda não é suficiente, segundo estudo da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A série Primeira Infância é uma parceria da Folha com a ONG Todos Pela Educação e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal