A forma como lidamos com as emoções pode proteger o cérebro de demências ou estimular o desenvolvimento de doenças como o Alzheimer no processo de envelhecimento. Segundo estudos recentes, ter atitudes positivas ou negativas ao longo da vida são fatores importantes no surgimento e até no controle de demências.
Ser otimista em relação ao futuro, por exemplo, pode reduzir em 53% as chances de desenvolver quadros de demência. A constatação é de uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) apresentada em junho no Congresso Brain 2024, no Rio de Janeiro, e que analisou dados de 9.000 pacientes.
O levantamento foi feito com base nas respostas do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), que não faz avaliação clínica, mas destaca comportamentos e pensamentos ligados ao declínio cognitivo e à perda de autonomia funcional em casos de demência. O material confirma uma tendência trazida pela literatura médica da última década e deve ser publicado em breve na revista “Dementia & Neuropsychologia”.
O ELSI-Brasil, por sua vez, é conduzido “em amostra nacionalmente representativa de adultos com 50 anos ou mais”, com períodos de estudo conduzidos em 2015-16, 2019-21 e um novo, de 2023, ainda em curso.
Segundo o médico neurologista Fábio Henrique de Gobbi Porto, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), regional São Paulo, a literatura médica tem comprovado cada vez mais que padrões de personalidade, de pensamento e comportamento são fatores de risco ou de proteção para o cérebro contra essas doenças.
“Já tem alguns estudos mostrando que atitudes negativas, como neuroticismo e sintomas depressivos crônicos, são fatores de risco e que, muito provavelmente, o oposto, uma personalidade mais otimista, é o fator de proteção”, destaca Porto.
O diretor lembra que o efeito da atitude positiva não chega a ser a principal causa ou modo de prevenção de demências, mas que, muitas vezes, o otimismo está associado a ter hábitos de vida mais saudáveis, esses sim extremamente relevantes para prevenção e combate ao avanço de doenças como Alzheimer.
Essas atitudes associadas, como prática constante de exercício físico, manter uma dieta melhor ou buscar mais estímulo cognitivo ao longo da vida.
“É difícil saber quanto o otimismo por si só é um fator independente, mas com certeza existe uma associação entre uma coisa e outra. A gente precisa investigar melhor o que acontece com essas pessoas e por que elas têm um desempenho melhor na cognição”, aponta o médico.
Ser mais positivo ou menos negativo?
De acordo com uma pesquisa norte-americana publicada em 2021 na revista científica Aging & Mental Health, mais vale reduzir a negatividade do que ser sempre positivo quando o assunto é preservar o cérebro. Após avaliar 7.249 idosas com média de idade de 70,5 anos e escolaridade inferior a 12 anos de estudos, os autores apontaram que “nenhuma relação significativa emergiu da subescala de otimismo”, mas que o pessimismo era um fator de risco para demências em mulheres no pós-menopausa.
Os pesquisadores concluíram na ocasião que os dados sugeriam “que menos pessimismo, mas não mais otimismo” podia de fato ser associado “a um menor risco de défice cognitivo ligeiro (DCL)” e doenças como Alzheimer.
Já o artigo “Psychological well-being and risk of dementia” (Bem-estar psicológico e risco de demência), divulgado no International Journal of Psychiatry, em 2018, por pesquisadores da Flórida (EUA), diz que ter um “propósito de vida” (e não exatamente ser positivo) foi associado a “uma diminuição de 30% no risco de demência”.
O resultado foi independente da presença de “sofrimento psicológico e de outros fatores de risco clínicos e comportamentais” e também do grau de rendimento ou riqueza do paciente e até mesmo de riscos genéticos.
“Depois de considerar o sofrimento psicológico, descobrimos que as medidas de bem-estar geralmente não protegiam contra o risco de demência. Uma exceção é o propósito de vida, o que sugere que uma vida significativa e orientada para objetivos reduz o risco de demência”, concluíram os autores.
Para o neurologista Fábio Henrique de Gobbi Porto, o otimismo contribui por levar as pessoas a terem mais contato social e a encararem a realidade com mais leveza. “A percepção das coisas é muito importante, isso afeta muito o envelhecimento, que é uma fase bastante difícil da vida, na qual temos que aceitar fatos que estão fora do nosso controle, isso tem implicações em hábitos de vida e em emoções crônicas”, pondera o neurologista.
Sofrer menos, portanto, tem grande valor, pois o sofrimento psíquico é associado a marcadores de estresse no cérebro que aumentam a chance de ter demência, doenças neurológicas, pressão alta ou colesterol aumentado. “Uma coisa é ligada a outra e, sem dúvida, na minha experiência clínica, as pessoas que encaram a realidade de uma forma mais leve vivem muito melhor”, resume Porto.