O mais completo levantamento já realizado sobre a gênese do Alzheimer e de outras demências acrescentou dois novos fatores de risco a uma lista de 12 identificados anteriormente. A boa notícia é que a grande maioria deles pode ser minimizada com mudanças ambientais e comportamentais, o que significa que quase metade dos casos da doença neurodegenerativa poderiam ser prevenidos, de acordo com os autores do estudo.
Os dados são fruto do trabalho de uma comissão sobre o tema estabelecida pela revista médica britânica The Lancet, uma das mais prestigiosas do mundo. Os relatórios da comissão têm como objetivo orientar a prática médica com base nas evidências mais confiáveis sobre determinada área de estudo.
Coordenado por Gill Livingston, da Divisão de Psiquiatria da Universidade College de Londres, o trabalho contou com a participação de 27 especialistas do mundo todo, entre eles a epidemiologista brasileira Cleusa Ferri, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
A parte mais substancial do levantamento é o que os pesquisadores chamam de metanálise (análise com os dados obtidos de estudos prévios). Ou seja, trata-se de uma grande avaliação da literatura científica publicada até hoje sobre o tema, peneirando os estudos em busca dos resultados mais sólidos e capazes de embasar a prevenção e o tratamento dos pacientes com Alzheimer.
Hoje, a doença é a principal causa do declínio das funções mentais (ou demência) de idosos no mundo, afetando dezenas de milhões de pessoas. No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas têm Alzheimer. Seus efeitos incluem problemas severos de memória e alterações emocionais e de orientação espacial, podendo levar, por fim, à morte.
O crescente envelhecimento da população tende a multiplicar o número de afetados, o que faz com que as estratégias de prevenção se tornem cada vez mais importantes.
A análise conduzida pelos pesquisadores chegou a um novo total de 14 fatores de risco com boas evidências de participação no surgimento ou agravamento do mal de Alzheimer. Os dois novos integrantes da lista são a perda de visão e o colesterol alto.
A versão anterior do trabalho da comissão já tinha estabelecido uma lista de outros 12 fatores de risco: baixo nível educacional, lesões graves na cabeça, falta de atividade física, fumo, consumo excessivo de álcool, hipertensão, obesidade, diabetes, perda de audição, depressão, falta de contato social e poluição do ar.
Apesar de ser vasta, a lista de fatores de risco tem alguns elementos em comum. A falta de atividade física, o fumo e os problemas cardiovasculares (hipertensão, obesidade etc.), por exemplo, acabam afetando o funcionamento adequado dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro, o que, ao longo da vida, tende a facilitar o aparecimento das lesões associadas ao Alzheimer ou tornar o órgão menos resistente aos efeitos delas.
Já os problemas de visão e audição, a depressão e o baixo nível educacional, acabam diminuindo, cada um à sua maneira, os estímulos mentais que a pessoa recebe conforme vai envelhecendo, e isso também tende a aumentar a vulnerabilidade de seu cérebro diante do avanço da doença.
“A escolaridade é um fator muito importante porque, em geral, é algo que vem desde o início da vida e vai influenciar muito do que acontece posteriormente”, explicou Cleusa Ferri à Folha. “Além de estar associada a vários fatores de risco para demência que ocorrem durante a vida adulta, ela também influencia o acesso a diferentes tipos e níveis de estimulação cognitiva ao longo de toda a vida.”
Esse é um ponto no qual o nível de escolarização interage, por exemplo, com os fatores de risco cardiovasculares: em média, pessoas com maior grau de instrução tendem a ter mais informações sobre os prejuízos do fumo e da má alimentação, além de contarem com renda normalmente melhor e, portanto, mais acesso a cuidados médicos.
Por outro lado, os dados indicam que, justamente por isso, ainda há muito espaço para medidas preventivas entre as gerações atuais e futuras nos países em desenvolvimento, como o Brasil, que ainda estão na fase inicial do envelhecimento de suas populações e têm a oportunidade de investir em políticas públicas e medidas educativas.
“O fato de ser uma condição progressiva e sem cura faz com que a prevenção tenha um valor ainda maior”, destaca Ferri. “A mensagem principal é que, quanto antes no ciclo da vida da pessoa houver uma intervenção, melhor, mas também que a redução desses fatores em qualquer fase da vida pode alterar o risco para desenvolver demência.”
O trabalho indica ainda que o aparente risco aumentado de Alzheimer para pessoas do sexo feminino pode ser influenciado, em muitos casos, pela relativa falta de acesso à educação por parte delas no passado. Em faixas etárias e países nos quais esse acesso é igualitário para ambos os sexos, a diferença praticamente desaparece.
Por outro lado, o diagnóstico molecular da doença, tomando como base agregados de substâncias como a beta-amiloide ou as proteínas tau no cérebro, ainda não tem se mostrado confiável o suficiente, indica o levantamento. É comum que, mesmo em pessoas muito idosas, agregados dessas moléculas não correspondam aos sintomas da doença, sugerindo que é preciso encontrar maneiras mais confiáveis de medir o risco do problema.