Há mais de um ano, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) definiu que operadoras de saúde não podem exigir o CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) em casos de reembolsos de consultas, terapias e tratamentos. No entanto, até hoje convênios seguem desrespeitado a norma.
Relatos de pacientes questionando a falta de reembolso pipocam em plataformas como o Reclame Aqui, como é o caso da modelo e representante comercial, Juliana Cristofoletti, 34. Moradora de São Paulo, ela enfrenta problemas para conseguir realizar suas consultas semanais de psicoterapia por seis meses.
Cliente da Bradesco Saúde, Juliana diz que nunca havia tido problema para receber o reembolso até dezembro do ano passado.
“Em janeiro eu fui pedir o reembolso referente a dezembro e eles já começaram a negar. Desde então tá assim”, relata.
Diagnosticada com ansiedade e síndrome do pânico, Juliana afirma fazer acompanhamento com psicólogo desde os 20 anos de idade, mas com a pandemia de Covid teve uma piora no quadro, precisando de acompanhamento semanal para lidar com as crises.
Nos seis meses que ficou sem tratamento, Juliana afirma ter piorado. “Eu estava melhorando com essa profissional, mas depois desse problema do reembolso, a questão financeira me atrapalhou muito”, afirma.
Segundo a modelo, vendo outros casos semelhantes ao seu, a sua psicóloga chegou a dar andamento ao processo para emissão de um CNES para manter os clientes, mas o processo demorou meses e só foi concretizado em junho, quando Juliana retornou as consultas na expectativa de conseguir o reembolso, mas novamente enfrentou entraves.
De uma nota fiscal com todas as sessões mensais, no valor de R$ 2.100, Juliana só foi reembolsada de uma consulta de R$ 200. “Aí eu tive que pausar meu tratamento de novo até conseguir ter o reembolso total”, relata.
Para solucionar o problema, a opção encontrada por Juliana foi acionar judicialmente a empresa. Antes que isso ocorresse, no entanto, o caso foi solucionado e ela teve o reembolso de R$ 5 mil aprovado pela Bradesco Saúde após a operadora ser procurada pela Folha.
Aposentado e morador de Chã Grande (a 82 km do Recife), no interior de Pernambuco, Júlio Nogueira também relata dificuldade para obter o reembolso por dez sessões de fisioterapia que sua esposa, Sandra Campos, precisou fazer, há cerca de três meses, por conta de um problema de postura após uma cirurgia mamária.
Beneficiário da Sul América há quase 30 anos, Júlio afirmou que a fisioterapeuta chegou a tentar abrir um CNES para continuar atendendo seus outros pacientes, mas não conseguiu o registro por conta da burocracia envolvida.
Na cidade em que vivem, Júlio diz que por conta da baixa quantidade de profissionais atendendo diretamente o plano, é comum que façam procedimentos particulares e depois peçam reembolso.
“Antigamente era tranquilo pedir reembolso. Até uns 4 anos atrás não tinha metade dessas exigências que tem hoje”, afirma.
No total, ele diz ter gasto R$ 720 com as sessões da esposa. “Não é uma quantia que faz tanta falta, mas é uma dor de cabeça. E não vale nem a pena acionar judicialmente por conta do valor”, relata Júlio.
Como alternativa, o aposentado diz ter optado por atendimento diretamente de médicos conveniados em cidades maiores, como Caruaru, a cerca de 73 km de sua residência.
Antes de abrir uma reclamação no site Reclame Aqui, Júlio diz ter tentado contato com a Sul América para resolver o problema, mas foi informado de que nada poderia ser feito se ele não tivesse o CNES da profissional que realizou o procedimento. Até a conclusão desta reportagem, o caso não foi solucionado.
Desde o início do ano, o aumento de processos por falta de reembolso das operadoras Bradesco Saúde e Sul América tem chamado a atenção, segundo Tatiana Kota, advogada e especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.
“O plano de saúde precisa reembolsar independentemente se o estabelecimento onde o profissional trabalha tem ou não o cadastro”, informa a especialista. “Se o contrato permite a livre escolha de profissionais, o paciente pode escolher um prestador que não está na lista de referenciado do plano de saúde. E muitos contratos preveem isso”, completa Kota.
De acordo com ela, o registro é exigido para credenciamento de profissionais de saúde à operadora de saúde.
Para contestar, a advogada indica que o usuário abra uma reclamação no plano de saúde, seguida por outra na ANS. Se o problema não for resolvido, a indicação é ingressar com uma ação judicial.
Especialista em defesa do consumidor do Procon-SP, Maria Lacerda afirma que quando a operadora nega o reembolso exigindo que o profissional tenha esse cadastro, na realidade está restringindo o direito do consumidor a livre escolha do profissional de confiança.
“Se as operadoras apresentarem essa justificativa, o consumidor também pode abrir uma reclamação aqui no Procon para que nós a encaminhemos para que o convênio justifique essa negativa”, afirma Lacerda.
De acordo com o Procon-SP, somente neste ano, 924 reclamações foram registradas sobre dificuldades para devolução de valores pagos e reembolso.
Em nota, a ANS informou que não há justificativa para a operadora exigir, para fins de reembolso, que o estabelecimento de saúde tenha cadastro no CNES. Para a operadora ressarcir os valores pagos pelo beneficiário, como regra, ela somente poderá exigir documentação hábil e adequada que comprove o efetivo pagamento do serviço realizado pelo beneficiário.
De acordo com a agência, as operadoras que exigirem do beneficiário documentos como o registro no CNES poderão estar sujeita à prática de infração regulatória, podendo sofrer punições pela ANS, como advertência e multa a partir de R$ 30 mil.
Questionadas pela Folha, em nota, tanto a Sul América quando a Bradesco Saúde informaram seguir com o estabelecido pelo Ministério da Saúde na portaria 1.646 de 2015, que institui o CNES.