Apostar em um projeto baseado em uma obra consagrada é uma via de mão dupla. Se por um lado, esse projeto já nasce com certa expectativa, tem mídia espontânea e uma legião de fãs em potencial para consumi-lo, por outro lado, ele carrega a responsabilidade de ser, no mínimo, tão bom quanto a obra que o inspirou. “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, série da HBO que estreou no último domingo no canal fechado e na plataforma de streaming Max, enfrentou esse desafio e, a julgar pelos dois episódios que a coluna viu, superou essa prova de fogo.
Bem dirigida por Aly Muritiba, que consegue emular o estilo de Fernando Meirelles em “Cidade de Deus”, a série vai na contramão da imensa maioria das produções das plataformas do streaming. Por se basear numa obra previamente conhecida, “Cidade de Deus: A Luta Não Para” não precisa capturar a audiência a fórceps e se dá ao luxo de não fazer uso do já manjado e cansativo truque de iniciar o episódio com uma situação tensa para prender a atenção do espectador e então retroceder a narrativa no tempo para contar a história de forma cronológica. “Cidade de Deus: A Luta Não Para” gasta cerca de 17 longos minutos reapresentando os personagens do filme, contextualizando o momento de vida de cada um deles e introduzindo novas figuras que fazem parte da série, que narra a disputa entre os traficantes Curió (Marcos Palmeira) e Bradock (Thiago Martins) no início dos anos 2000.
Escrita por Sergio Machado, Aly Muritiba, Armando Praça, Estevão Ribeiro, Renata Di Carmo e Rodrigo Felha, “Cidade de Deus: A Luta Não Para” nos lembra como é bom assistir a uma série que não tem pressa de desenvolver a trama, nem encavala acontecimentos na tentativa de ter um ritmo frenético para saciar a ansiedade do público, que se acostumou ao consumo de conteúdos rápidos das redes sociais. O ritmo menos frenético pode gerar estranhamento e incômodo numa parcela de audiência, mas a grande dificuldade de ver “Cidade de Deus: A Luta Não Para” reside em outro fator: por mais que a série seja envolvente e bem feita, há um desconforto em acompanhar uma história que se passa no início dos anos 2000, porque constatamos que, em 2024, evoluímos muito pouco no combate ao crime e à desigualdade social. Como todo bom produto cultural, “Cidade de Deus: A Luta Não Para” provoca reflexões no público.