É sua filha, Fernanda Torres, quem vive Eunice na meia idade e que encara a longa jornada que começa com uma vida de dona de casa de uma família não rica, mas com vida confortável, cuidando de seus cinco filhos e do marido engenheiro.
É Fernanda quem dá a veracidade suave e legítima à dor que Eunice contém diante dos filhos e do mundo quando é também presa por 12 dias junto da filha adolescente e interrogada sistematicamente. A filha voltou um dia depois, mas Eunice passou a vida tentando saber o que de fato havia acontecido com o marido.
Quando questionada como foi viver a mulher que simboliza tanto a luta não só pela justiça no caso do assassinato do marido, mas também dos direitos primordiais em uma democracia, pois se formou em direito e foi um nome pioneiro na defesa dos direitos indígenas, Fernanda Torres declarou:
O Brasil ia ser um grande país. Um país da Tropicália, da arquitetura de Oscar Niemeyer e todo o modernismo. E esta geração foi repentinamente calada por um golpe de estado. E ela teve de aprender e a se reinventar e é engraçado como ela passou de viúva do Rubens Paiva a mãe de Marcelo. E a gente nunca soube dela. A gente sabia de certa forma, como a mãe de Marcelo, mas ela estava sempre escondida de certa forma que ela nunca tinha a vontade de vir a público. Mas ela foi uma heroína, uma mulher que encarou a tragédia, que evitou o melodrama. Ela não queria chorar na rua com sua família. Ela não queria que seus filhos se tornassem vítimas da ditadura. E o jeito que ela encontrou para fazer isso foi ficar em silêncio e sorrir. É inacreditável.
Fernanda Torres
E essa mulher reinventa a si mesma. Ela tinha uma vida burguesa. E ela volta para a faculdade, torna-se uma advogada, aos 46 anos, e aí encontra antropólogos incríveis em São Paulo, como Manuela Carneiro da Cunha, que trabalhou com Claude Lévi-Strauss. E eles a convidam para trabalhar com as terrar indígenas, nos anos 80, muito antes de a gente discutir a Amazônia e tudo. E ninguém sabia disso.
Fernanda Torres
Marcelo Rubens Paiva observou que levou tempo para escrever a história desde seu primeiro livro “Feliz Ano Velho”, lançado em 1982, em que trata do acidente que o deixou tetraplégico, até 2015, quando lançou “Ainda Estou Aqui”.