A vida amorosa está um marasmo? Nem sempre a culpa é sua – 17/11/2024 – Equilíbrio – Zonatti Apps

A vida amorosa está um marasmo? Nem sempre a culpa é sua – 17/11/2024 – Equilíbrio

Na primeira vez em que saí com Mark, ele perguntou quanto tempo fazia desde meu último relacionamento.

Olhei para a mesa, a mão segurando a cerveja. Eu sempre odiara essa pergunta. Parecia tão descaradamente avaliadora –como um recrutador questionando um período ocioso no seu currículo, ou o dentista querendo saber quantas vezes por dia você usa o fio dental.

Eu sabia que ele não estava me avaliando. Trabalhávamos juntos havia dois meses, e nesse bar lotado em que nos encontrávamos conversamos com a facilidade e a franqueza dos bons amigos –ele falou da dor do divórcio, das dificuldades financeiras, da solidão. Andava passando um bocado de tempo no meu escritório, mandava e-mails insinuantes e –o que era mais adorável para mim e mais constrangedor para ele– ficava vermelho toda vez que eu lhe falava. Estava meio que no papo.

Ainda assim, não respondi. Não queria que ele soubesse a verdade: que eu estava com 39 anos e o último relacionamento sério fora oito anos antes. Já tinha visto homens entrarem em pânico com essa informação antes –e isso quando o tempo era menor. Encaravam-me com um olhar frio e curioso, como se eu fosse um restaurante com poucos clientes, um imóvel que estivesse à venda por tempo demais. Um chegou a perguntar o que havia de errado comigo. “Não sei”, foi a resposta. “Mas você é atraente?”, questionou, como se já não tivesse certeza. “Não sei o que lhe dizer. Não sei por quê.”

Agora, encarando a pergunta inocente de Mark, preferi não dar detalhes. “Um tempão”, eu disse rápido.

Mark não pareceu notar a evasiva. Bebericou a cerveja e passamos a outros assuntos –nossos colegas, os livros de Douglas Coupland, Seattle– e depois, já fora do bar, na esquina, ao nosso primeiro beijo. Eu sabia que uma hora teria de lhe dizer. Mas ainda não.

Quando o cara com quem eu saíra fazia tempos soltara a famigerada pergunta –”O que há de errado contigo?”–, é claro que fiquei ofendida. Terminei meu drinque e disse que tinha de acordar cedo no dia seguinte. Mas, no fundo, o questionamento dele não era pior do que minha indagação quase diária. Não chegava a ser autodesprezo explícito, era mais um vazio que me batia no peito às vezes– na longa viagem de metrô depois de um encontro medíocre, na conversa telefônica com uma amiga casada que, de repente, dizia que tinha de desligar porque o marido acabara de tirar o assado do forno.

Meu consolo vinha de onde a maioria das solteiras vai buscá-lo: nas outras amigas solteiras. Nós nos reuníamos à noite, durante a semana, trocando histórias engraçadas e trágicas sobre nossa vida amorosa desastrada, reafirmando umas às outras nossa beleza, inteligência e gentileza comuns, inconformadas com a idiotice dos homens que não conseguiam enxergar essas qualidades.

No geral, tentávamos entender o sentido da coisa toda. Será que nossas amigas casadas eram realmente muito mais atraentes do que nós? De vez em quando alguém dizia que, na verdade, eram infelizes, e que elas é que nos invejavam, mas essa teoria nunca ia muito longe, pois sabíamos que não trocariam de lugar conosco, por mais que reclamassem do marido.

É claro que inúmeros livros e programas de TV populares mostram em detalhes a vida dessas mulheres, mas nessas histórias um homem adorável vive se aproximando da heroína em um parque e em um ponto de ônibus, convidando-a para jantar. A solteira do sitcom nunca fica sozinha muito tempo, passando de um homem para o outro, trocando de namorado como quem troca de bolsa. Minhas amigas e eu saíamos com vários caras e tivemos minirrelacionamentos, mas na grande parte do tempo éramos sozinhas.

Embora assistíssemos a esses programas e gostássemos deles –e não nos incomodássemos quando alguém dizia que nossa vida era “igualzinha” à das protagonistas–, o estereótipo que criaram da solteira de 30 e poucos anos à caça de um homem pairava sobre nós. Ser uma mulher solteira que, na verdade, não quer sê-lo dá, de certa forma, a impressão de que você é uma palerma, uma cabeça de vento que só se preocupa em fazer compras, ir à manicure e saber se o sujeito vai ligar. Nem eu nem minhas amigas tínhamos interesse em bater perna no shopping ou fazer a unha, mas isso não nos impedia o constrangimento comum da procura pelo amor.

Admitir o desejo de ter um marido –e principalmente a frustração de não ter um– parecia uma traição ao feminismo. Deveríamos estar além disso. (Não que as verdadeiras feministas dissessem que era terrível querer um relacionamento; os emails que recebíamos da NOW e do Planned Parenthood focavam a igualdade salarial e os direitos reprodutivos, e não namoro e casamento.)

Revelar a necessidade de um amor pode também ser visto como prova de que você não está pronta para vivê-lo. Em uma noite de dezembro passado, tomando uns drinques com um amigo casado, percebi que ele foi ficando cada vez mais exasperado com minhas queixas (irritantes, admito) de ter de passar mais um Natal sozinha. “Sara, você tem a cabeça no lugar em relação a todo o resto, mas nesse aspecto você é ridícula!”

Como todas as solteiras do mundo todo, eu aceitara a ideia de que o problema devia ser comigo, que havia um defeito intrínseco –arrogância, baixa autoestima, medo de compromisso– que precisava ser corrigido. Eu precisava me “consertar”.

Sendo escritora freelancer, eu não tinha condições de pagar um bom terapeuta, mas meu trabalho me dava acesso a alguns dos melhores profissionais de saúde mental do país. Para escrever minhas matérias sobre primeiros encontros e rompimentos, entrevistei professores de psicologia e terapeutas, pontilhando desavergonhadamente as conversas com histórias da minha vida. Estava tentando ir a fundo no problema –para benefício da mulherada e meu mesmo.

Também conversei bastante com escritores de autoajuda: como a Durona, que declarou que o segredo para encontrar a alma gêmea é evoluir, parar de reclamar e dar um jeito no cabelo; teve também a Esotérica, que me recomendou manter um diário, longas caminhadas, banhos de banheira à luz de velas e outros truques. E teve O Cara –um sujeito ajeitadinho que escreveu um livro– que deu dicas sobre como conquistá-lo, ou seja, basicamente evitando críticas e mantendo um cabelão.

Deixei o cabelo crescer. Tomei banhos de banheira. E, é claro, comecei a analisar meus problemas. Será que eu não conseguia encontrar ninguém por causa da fobia latente a compromissos (astutamente disfarçada de desejo sincero de ter um relacionamento), como uma especialista com cabelo de corte tigela deu a entender? Eu realmente não me sentia digna e transmitia essa autopercepção a todo homem que conhecia? (Outra sugestão delicada.) Se não conseguia “amar a mim mesma”, isso significava não poder amar o outro?

Ou será que eu não era otimista na medida certa? Os especialistas sugeriram que uma atitude positiva é muito importante para atrair os homens. Eu até entendia –claro–, mas esse não era meu ponto forte. Acho que o aquecimento global é para valer e essa coisa de ir para o céu é fantasia. Para mim, o pessoal que acha que “tudo acontece por algum motivo” nunca deveria ter fundado um jornal. Há quem diga que é negatividade; para mim, é realismo.

Muitas coisas boas aconteceram durante o período de construção da Sara 2.0: fui a colônias de artistas, ensinei contação de histórias para jovens carentes, adotei um cachorro resgatado, aprendi a plantar bananeira, tudo isso no clima do “Aprendendo a Amar Minha Vida de Solteira”. E fazia questão de que todo mundo soubesse que minha vida era maravilhosamente fantástica com ou sem homem –meu apartamento tão gostosinho! minha carreira gratificante! meus amigos sensacionais! Mas também não podia bater nessa tecla com muita frequência, do contrário o coro grego concluiria que minha vida era tão boa que não tinha espaço para o amor. Como um amigo me disse: “Às vezes, você vê uma mulher com a vida tão certinha que chega a pensar: ‘Mas para que ela vai precisar de mim?'”.

Meus esforços me renderam muitos amigos, e minha agenda passou a viver cheia de atividades interessantes. Saí com caras que conheci pela internet, por intermédio do speed dating, e topei encontros às cegas. Meu cabelo estava lindo e meu sorriso ganhara confiança, mas eu continuava sozinha. E na escuridão da noite de sábado ainda questionava o que havia de errado comigo.

Mark e eu já namorávamos fazia um mês quando finalmente revelei meu currículo amoroso pífio; e, quando o fiz, ele deu de ombros. “Sorte minha. Esses caras foram todos uns babacas.” E ficou por aí. Para Mark, eu não era um problema que precisava de solução, um quebra-cabeça que precisava ser resolvido; era apenas a garota por quem estava se apaixonando, da mesma forma que eu estava me apaixonando por ele.

Seis anos depois, em junho deste ano, comemoramos o primeiro ano de casados. Minhas amigas mais chegadas –aquelas com quem eu fazia sessões de terapia improvisadas– participaram da cerimônia simples em um parque do Brooklyn. Cada qual com seu marido.

Se demos certo no amor porque amadurecemos, caímos na real e nos esforçamos para superar nossas questões pessoais? Não. Apenas encontramos o cara certo. Achamos homens que nos amam, mesmo que sejamos azedas e neuróticas, que não tenhamos o controle da carreira e, de vez em quando, falemos alto demais, bebamos demais e xinguemos o noticiário da TV. Temos cabelo grisalho, vestimos roupas fora de moda e temos mau gênio. E eles nos amam mesmo assim.

O que há de errado comigo? Várias coisas. Mas essa nunca foi a questão.

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