‘Sucessor’ de Nelson Freire, Cristian Budu abre homenagem a pianista brasileiro na França – 05/08/2022 – Zonatti Apps

‘Sucessor’ de Nelson Freire, Cristian Budu abre homenagem a pianista brasileiro na França – 05/08/2022

Morto no fim do ano passado, o pianista brasileiro Nelson Freire é uma espécie de lenda viva na França, onde seu legado continua a ser relembrado com cuidado e atenção. É o caso do Festival Internacional de Piano de la Roque d’Anthéron, no sul do país, do qual Freire participou durante 25 anos, e que agora o homenageia com uma série de apresentações de pianistas brasileiros no domingo (7). Um deles, Cristian Budu, foi apontado pelo mestre em uma de suas últimas entrevistas como seu “sucessor”.

Morto no fim do ano passado, o pianista brasileiro Nelson Freire é uma espécie de lenda viva na França, onde seu legado continua a ser relembrado com cuidado e atenção. É o caso do Festival Internacional de Piano de la Roque d’Anthéron, no sul do país, do qual Freire participou durante 25 anos, e que agora o homenageia com uma série de apresentações de pianistas brasileiros no domingo (7). Um deles, Cristian Budu, foi apontado pelo mestre em uma de suas últimas entrevistas como seu “sucessor”.

“Acho que ele vai me substituir”, disse Nelson Freire sobre a então jovem promessa do piano brasileiro e internacional, Cristian Budu, durante uma entrevista ao programa Fractal em outubro de 2019, num dos camarins do Teatro Municipal José de Castro Mendes, em Campinas, onde o mestre tocava acompanhado pela Sinfônica local. “Muito importante nele [Budu], não é só o talento, mas a cabeça. Cabeça é muito importante, é vital para a carreira”, disse Freire na ocasião. Sobre a responsabilidade dessa “herança”, Cristian se diz “honrado”.  

“É uma benção. (…) Não existe comparação, mas obviamente ele ter falado isso sobre mim é uma grande honra e me faz buscar o meu caminho dentro dessa filosofia, de buscar a minha própria voz”, avalia Budu, filho de pais romenos que cresceu em Diadema, no cinturão urbano da Grande São Paulo. “Tive a sorte de conhecê-lo e me aproximar dele”, conta o artista. “Venci o concurso Nelson Freire em 2010, e fomos ficando mais amigos. Foi sem dúvida um de meus maiores ídolos da música, foi um grande aprendizado”, afirmou Budu, que conviveu com Freire durante os últimos anos de sua vida.

Freire, que recebeu epítetos em vida como “o felino dos teclados”, segundo o jornal francês Le Monde, em 2014, era considerado muito mais do que um virtuose. Segundo René Martin, diretor do festival de la Roque d’Anthéron e amigo pessoal de Freire, o que fascinava no artista brasileiro era o ingrediente de um certo “encantamento” que ele trazia para suas apresentações.

“Nelson era um poeta, com P maiúsculo”, concorda Budu. “Essa maneira de lidar com a linguagem é cada vez mais raro, sinceramente. Com certeza, ele ouvia ‘ideias’. Ele fala ‘ideias’ através do som. Ele não tocava teclas. Era sempre verdadeiro e sempre novo, de alguma maneira. Ele tinha esse frescor tocando, essa sinceridade, essa intimidade que ele evoca”, afirma o músico.

“Artistas muitas vezes são vistos como produtos”, lamenta o pianista. “isso atrapalha porque, na verdade, a experiência musical é uma conversa que acontece dentro de você. Para ter essa experiência real, ela não acontece no meio de todas essas confusões externas. (…) O ego muitas vezes entra no caminho. Muitas pessoas que seguem carreira não necessariamente amam música, mas estar no palco, em evidência”, analisa Budu, refletindo sobre a crítica de Freire, no documentário que leva seu nome, de João Moreira Salles, sobre o “estrelato”. “No caso de Freire, era uma entrega total com a música”, elogia o pianista.

“Meu fuso é confuso, mas meu epicentro é o Brasil”, costumava brincar Freire em entrevistas. “Uma coisa que eu aprendi com o Nelson, que obviamente, é meu ídolo eterno, é que o caminho nunca chega no fim. Você sempre continua tentando, aprofundando…Essas obras, essas músicas, no fundo também ensinam isso. Não existe um lugar de chegada, mas tem como ir se conhecendo melhor… É o caminho”, resume o pianista.

Sobre a educação musical das novas gerações brasileiras, Cristian afirma que “é preciso tomar cada vez mais consciência da importância disso”. “O que eu sinto é que a gente corre o risco de ver cultura e educação deixadas de lado, porque viram ‘gastos desnecessários’. Esse perigo é cada vez mais iminente. Sem arte, nunca teremos uma sociedade sadia, não apenas pensando no Brasil, mas na Humanidade. Mas, especificamente no Brasil, sinto que estamos cada vez mais perdendo esses fundamentos”, avalia.

“Vim de Diadema, estudei no sistema público de ensino (…). Eu vi bem de perto essas dificuldades, vivi na pele muitas delas, como a educação precária. Tive uma sorte imensa de meus pais, que saíram da Romênia para começar a vida do zero no Brasil, terem riquezas imateriais, apesar de faltar a material”, diz. “Isso fundamenta todo o resto. Sem isso, a gente fica à mercê daqueles que querem comandar pelos próprios interesses”, afirmou.

O Festival Internacional de Piano de la Roque d’Anthéron acontece até o dia 20 de agosto no sul da França. Cristian Budu abre a homenagem a Nelson Freire no domingo (7), seguido pelos pianistas Eduardo Monteiro, Pablo Rossi, Fabio Martino, Clélia Iruzun e Juliana Steinbach. No programa, Villa-Lobos, Chopin, Guarnieri, Schumann e Brahms, entre outros. 

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