Filme assistido durante o Festival de Sundance 2023
Na quietude de uma Austrália cercada por territórios inóspitos, Sarah é uma médica e mãe solo que luta com seu tenebroso passado. Solitária e com uma filha de sete anos, ela ocupa os extensos vazios de sua mente com suas memórias, que a assombram em meio a flashes misteriosos e pouco explicativos. E tão vazia como a maior parte do território australiano, a protagonista vivida por Sarah Snook se torna um contraste em tela, diante de uma bela fotografia que faz um paralelo entre a inexistência humana e a inexistência da alma de uma mulher marcada por uma monstruosa história.
Run Rabbit Run foi adquirido pela Netflix no Festival de Sundance 2023 e traz a brilhante atriz de Succession à frente de um terror angustiante, intrigante, mas… feito pela metade. O longa da cineasta Daina Reid é simples, mas psicologicamente ambicioso. Mantendo as principais perguntas sempre acesas na mente da audiência, a roteirista Hannah Kent tenta construir um filme de gênero, nos conduzindo para caminhos que se bifurcam ao final de seu segundo ato. Mas embora o esqueleto original da trama seja excelente, o longa peca por não saber aproveitar sua primeira metade. Prolixo, extremamente lento e com uma tensão pouco trabalhada em tela, ele nos deixa à deriva e até mesmo desinteressados.
Aqui, Sarah é confrontada sobre seu passado quando sua pequena filha começa a apresentar um comportamento bizarro. Inexplicavelmente, a pequena Mia se torna um poço de memórias de uma identidade passada que se conectam aos traumas da protagonista. Fazendo uma combinação entre um suspense psicológico e um terror mais soturno, Run Rabbit Run poderia ser genuinamente espetacular. Brincando com a mente da protagonista, sem entregar demais, Kent tem os elementos certos para construir um roteiro convidativo, que siga os mesmo caminhos narrativos do sensacional Baby Ruby (estrelado por Kit Harington). E ainda que acerte em diversos momentos, por se estender demais em seu primeiro ato de forma repetitiva, a produção beira o entediante e corre o risco de perder a nossa atenção.
Mas é inegável que o thriller psicológico tem um potencial gigantesco. Com um clímax realmente poderoso e revelador, Run Rabbit Run recupera o seu fôlego com perspicácia, nos atrai para dentro da trama e nos deixa na expectativa por um final avassalador. E os grandes trunfos da produção são exatamente Snook e a pequena Lily LaTorre, que dominam as telas com performances maravilhosas. A primeira vai ainda mais além, com uma caracterização surpreendente. Com olhar confuso e um profundo ar de cansaço que pauta seus movimentos, seus suspiros e sua linguagem corporal, ela é a essência do que é uma atuação excepcional. Exemplar em todos momentos, ela personifica a complexidade de uma mulher cuja mente está em frangalhos.
No entanto, ainda que o thriller recupere o seu fôlego em seus 40 minutos finais, Reid e Kent desperdiçam muito tempo de tela e entregam um filme feito de recortes soltos de bons momentos. Nunca constante em sua proposta psicológica, a produção é incapaz de alcançar todo o seu potencial, o que é uma pena. Entre instantes poderosos, longas repetições narrativas e um final mediano, Run Rabbit Run é a sombra do que de fato poderia ter sido. É frustrante? Sim. É uma oportunidade totalmente perdida? Não. Mas garanto que indignará muitos assinantes da Netflix.
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