Boa noite. Eu sou a moça do tempo. Me chame pelo nome que quiser. Eu sou todas as outras numa só. Eu podia estar matando as horas. Eu podia estar roubando rosas para dá-las a outro amor. Mas, estou aqui a lhe fazer o favor de prever o tempo para a manhã. Depois, conversamos. Ou não. Ou ontem. Ou nunca. Não sei. Nunca fui especialista em tempo perdido.
Você pode apreciar a beleza do meu vestido, o encanto das minhas madeixas ou a lisura fresca das minhas pernas. Eu admito que causo as melhores das impressões enquanto prevejo a temperatura dos fatos. Leio a sua alma e enxergo nela um muro de pedra. Aliás, eu prescrevo as previsões atemporais do tempo, de coração aberto, para regar a estiagem das plantas de bons sentimentos. Mamãe diz que é manha minha, mas, eu gosto mesmo é de acordar com o sol arregalado, a pino, e um ponto de exclamação dentro dele, quando eu me inclino, a esfregar os olhos com as mãos. Sou favorável aos bons encontros e aos maus conselhos desde que me levem à felicidade. Dê-me sua mão. Caminhemos enquanto o tempo para.
A manha ninguém sabe ao certo. Tarde da noite, e ainda me perco em lucubrações. Calor humano. Indiferença. Frieza completa. Qualquer paixão me diverte, desde que respeitosa. O homem, ao contrário da rosa, pior do que os cataclismos, é um ser imprevisível. Bate. Assopra. Constrói. Esmaga. Acaricia. Tortura. Nenhuma outra criatura machuca tão bem quanto o ser humano. É a maldade em estado de arte. Destarte, o tempo e as pessoas têm lá os seus vieses. Há quem renasça com a esperança dos dias chuvosos. Há os que se sintam por fora e perdidos, mesmo nos dias de sol escaldante. Sol. Sol. Somente sol. Faça uma paródia comigo enquanto ainda há graça. Assim, vou lhe chamar para um passeio entre revoadas de borboletas amarelas, sob o suave atropelo de asas que serão as cócegas do tempo no rosto da gente.
Chego a crispar os lábios contra os dentes ao me recordar do sabor de um encontro. Eu gosto de beijar as pessoas, de abraçá-las como se fosse trespassar os seus corpos ou me fundir a eles. Pronto: me pego feliz de novo, a secar o copo. E não o faço por vício ou por despeito. Esperança e resiliência desse jeito são coisas que acontecem, seja qual for a temporada do ano. Mulheres, às vezes, são destemperadas como as mudanças climáticas abruptas. Se pinta um clima, clamam, deitam e se aninham com os seus braços de mãe ou de puta. Se violentadas, explodem em cataclismos espetaculares.
A manhã vai trazer as chuvas de todos os lugares. Há lagos paradisíacos no meu corpo. Desfrute. Vou terminar brilhando em sol maior. Pouco importa se cantarmos ou se não cantarmos. O encanto é livre de balizas. Simplesmente, amemos, a menos que os canteiros lhe faltem em olvidos aromáticos. Amanhã, quem sabe, pode ser, estou certa, vamos nos reencontrar. Não importa o lugar, a hora, a humidade relativa do ar ou o frio do vento norte. Para amar é necessário muito mais do que sorte. A solidão absoluta machuca, mas, também edifica. Por hora, esqueçamo-nos dela. Renasçamos em sóis bemóis. Doemos um pouco mais deste suave desejo compartilhado às causas pacifistas: ficar em paz consigo mesmo, só para começar. De válido mesmo, só a saudade pungente e a gente com aquela vontade incontida de se encontrar sob os mais variados fenômenos meteorológicos de contentamento. Meter o pé na jaca, por que não. É dentro que se recebe. É perdoando que se perde toda a mágoa. É desaguando que a planta do bem querer floresce.
Veja se me aquece. Hoje, eu tô que tô. De acordo com as tábuas das marés, que nunca erram, estou passada de desejo. Às vezes, sinto que escrevo como se fosse um homem, um vate, um literato com talento inato. Contratempos se resolvem com antídotos de contra-ataque. O que de pior poderá suceder comigo, senão permanecer viva com a cara e com os trejeitos de quem já morreu, mas, não caiu, de quem sopitou pelas causas patéticas, de quem dissipou no ar misturado com a fumaça urbana? Gostaria de dizer que lhe considero um sujeito bacana, mas, ninguém hoje em dia usa mais esse tipo de adjetivo.
Caprichei no vestido com desenhos florais. Nada mal: estamos envelhecendo e é o que menos importa. Ninguém precisava ter previsto o óbvio ululante. A vida vale a pena, ainda que inconstante, se devorada pelas beiradas, a cada instante. Pode ser que o céu se rasgue em raios. Pode ser que sopre a brisa breve. Amanhã vai dar praia, num dia leve, a despeito das condições do clima. O mar vai estar ali no lugar de sempre, na frente dos olhos da gente, para ser temido, admirado ou desfrutado.
Não se admire se eu chorar um volume de lágrimas desproporcional, acima da média prevista para essa época do ano. Não estou tão certa agora quanto estive ontem. Algo me diz que é grande a possibilidade de haver pancadas de chuvas sobre o meu coração árido. Ando ávida de amar. E o tempo, apartado de qualquer previsão técnica, será como os amantes quiserem: sol, chuva, agora e nunca. Imprecisão completa e absoluta, por assim dizer. É isso que dá colocar uma poeta para fazer a previsão do tempo que ainda nos resta antes que o amanhã floresça sob as cores edificantes de um arrebol.