A inconstância é mesmo o conceito que melhor define “Bad Boys”, a franquia sobre dois policiais — ou tiras, para reproduzir o espírito da história — iniciada em 1995. Obedecendo a uma progressão geométrica voluntária ou cartesianamente pensada, a estreia dos filmes espalhou-se pelo tempo, o que, por óbvio, registrou a vida de seus protagonistas em quadras bastante simbólicas. Vinte e oito anos atrás, Will Smith e Martin Lawrence eram jovens adultos rondando os trinta, gozando do prestígio trazido com a fama em “Os Bad Boys” e conquistando papéis de substância dramática muito mais sólida — aquele mais que este, é verdade. Em “Bad Boys II”, lançado em 2003, Smith e Lawrence não são nem os cachorros (tão) loucos da produção anterior nem os senhores meio perdidos, por razões diametralmente opostas, de “Bad Boys para Sempre” (2020), dirigido pela dupla de marroquino-belgas Adil El Arbi e Bilall Fallah, mas já se antevê onde vai dar a trama centrada em Mike Lowry e Marcus Burnett, dois dos mais bem preparados investigadores da polícia de Miami. Aqui, Michael Bay, responsável por este e pelo longa inaugural, endereça a seus personagens centrais os desafios mais complexos que se esmeram por vencer, aproveitando para promover também uma devassa na intimidade dos dois.
As aberturas de “Bad Boys” são sempre uma bem-sucedida empreitada quanto a capturar a atenção do público. Em “Bad Boys II”, uma panorâmica de Miami ao cair da noite, com os tons de laranja e amarelo da fotografia vibrante de Amir Mokri, junta-se à apresentação dos antagonistas, e nesse embalo, o roteiro de Cormac e Marianne Wibberley, Jerry Stahl e Ron Shelton começa a deslindar o enredo. Miami está sendo bombardeada pelo tráfico, e uma nova carga de ecstasy vem de Cuba pelo Golfo do México, inspirando a missão que congrega a polícia local, a Força Aérea e a Guarda Costeira. O filme tem glórias e tropeços, e nessa última categoria, cenas da subtrama que exibe uma seita que emula a Ku Klux Klan, completamente desnecessária, escandaliza pela vulgaridade, bem como a decisão por fazer Mike e Marcus cantarolar a música-tema em situações de tensão empobrecem e frustram mesmo o fã mais condescendente em busca de entretenimento instantâneo. Por outro lado, o diretor acerta ao ir tornando cada vez mais óbvia a contraposição dos temperamentos dos detetives, com Mike visivelmente furioso por ter feito seu trabalho, mas confrontado com a dura realidade da apreensão de apenas dois pacotes de pílulas, ao passo que Marcus admite que foi mesmo muito barulho por quase nada — até porque foi ele quem sentiu na pele o custo da aventura a que fora levado pelo colega —, e começa a se inquietar com a propensão ao risco meio suicida de Mike, que conta com a retaguarda de uma herança milionária e não precisa do emprego para ganhar a vida. Smith não é capaz de fomentar em quem assiste um voto de confiança ao ser obrigado a dizer que Mike também não está na polícia pelo gosto da adrenalina, e nos perguntamos, boquiabertos, que diabos Mike faz ali, já que o posto de tira abnegado, que sacrifica a vida em família pelo bem social, e do personagem de Lawrence. Esse é um outro calcanhar de Aquiles do filme, também excessivamente longo, como os outros dois. Em quase duas horas e meia, sabe-se quase tudo acerca de Marcus, até das desventuras da vida sexual com a mulher, Theresa, de Theresa Randle, agravadas depois do acidente de trabalho provocado por Mike, e pouquíssimo sobre o tipo vivido por Smith — na segunda parte da franquia, não se tem a dimensão do inveterado festeiro, do solteirão convicto e do casanova implacável que se vai provar no último filme, o terceiro do que deveria ser uma trilogia a se analisar o caráter decisivo do título; entretanto, até as pedras da rua já sabem que os acertos entre os diretores, as produtoras e, naturalmente, a dupla de protagonistas são favas contadas e em breve “Bad Boys 4” (ou com outro nome que o valha) ganhará a praça. A pergunta de um milhão de dólares é: para quê?, como deixo claro no artigo que escrevi sobre “Bad Boys para Sempre”.
A ofensiva de traficantes cubanos que entram em Miami pelo Golfo do México e voltam para o país de origem com dinheiro escondido em féretros é a melhores das histórias paralelas do filme, até por introduzir o conflito provocado pelo atribulado namoro de Mike e Syd, a irmã de Marcus interpretada por Gabrielle Union. Nesse segmento, Bay se estende com muita segurança por sobre temas como geopolítica, corrupção policial e escancara feridas que perduram na vida social da América ao dar vez a Jordi Mollà como Johnny Tapia, o chefão do tráfico em Cuba, e o impagável capitão Howard, de Joe Pantoliano, diretor das operações que visam a prendê-lo. Um anticlímax envolvendo Syd e Tapia costura esses dois universos e prepara a narrativa para o que se tem com mais minúcias e outros enquadramentos no filme que sucede “Bad Boys II”.
Filme: Bad Boys II
Direção: Michael Bay
Ano: 2003
Gêneros: Ação/Comédia/Policial
Nota: 8/10