Muitos tentaram, mas poucos conseguiram criar um filme de horror que pareça realmente um pesadelo como experienciado pela mente de uma criança. Justamente por fazer isso tão bem, Skinamarink é bastante estranho.
O filme é um terror experimental que custou meros US$ 15.000, e mostra duas crianças que acordam no meio da noite e percebem que seus pais sumiram. A partir daí elas começam a testemunhar coisas assustadoras na casa, como janelas que somem, luzes que apagam e acendem sem motivo aparente e privadas grudadas no teto.
Skinamarink alcançou um status cult após vazar na internet e quase imediatamente viralizar no Reddit e TikTok, onde os usuários filmavam reações para mostrar como certas cenas são assustadoras.
A ligação entre o filme e a web é quase umbilical: o diretor do longa, Kyle Edward Ball, ganhou certa notoriedade com o canal do YouTube Bitesized Nightmares, onde o público envia pesadelos noturnos e Ball tenta filmá-los da forma mais assustadora possível.
Skinamarink reúne muito da estética dos curtas do canal: vozes distorcidas e sussurradas, textura granulada retrô, rádios e TVs como elementos aterrorizantes, e luz indireta. Exatamente por isso é perfeito para viralizar: cada cena tem vida própria, e contém elementos assustadores o bastante para ganhar força como um vídeo curto.
Também emula muito bem os pesadelos vividos por mentes infantis, onde noites parecem durar eternidades e cada barulho inocente se torna uma experiência mortificante. Ball teve o cuidado de filmá-lo na casa onde morou quando era criança, e ambientá-lo em 1995, o que permite desenhos esquisitos na televisão — praticamente todos eles parecidos com o game Cuphead (2017) — e a presença de equipamentos datados.
A lógica-pesadelo que rege o filme o torna um filme quase inteiramente em primeira pessoa, que nunca mostra o rosto das crianças, mas apenas a visão delas da casa, em um processo interminável de rearranjo visual da qual somos meras testemunhas. O resultado é mais perturbador do que propriamente assustador, como é o esperado em um filme de terror.
É possível ter uma ideia no trailer abaixo.
Como experimento aterrorizante, poucos chegaram tão longe quanto esse longa. Há diversas cenas amedrontadoras, auxiliadas por um design de som excelente, que reúne desenhos animados, as vozes de crianças e os barulhos estranhos que representam partes da casa que se foram. Ajuda ainda o fato de as crianças não parecerem tão assustadas assim: em certos momentos, os dois infantes parecem até mesmo parte do terror que os cerca.
Para a maioria do público, Skinamarink será apenas frustrante e repetitivo, talvez por Ball evitar fazer qualquer concessão narrativa à experiência puramente sensorial. Seus 100 minutos parecem muito longos, ao nos privarem de qualquer narrativa consistente e se propor a apenas nos colocar no centro de todo o horror ali presente.
De uma certa forma, é realmente similar a uma colagem de vídeos curtos de redes sociais — cada um deles é impactante, mas a soma deles é menor que suas partes.
Quando se propõe a narrar, Ball atinge o ápice: a cena em que as crianças encontram a mãe e travam um diálogo bizarro com ela é o ponto alto do filme, mas acaba enterrado ante experimentos visuais e colagens de imagens que não exatamente significam algo, mas buscam arrancar certas reações do público.
O formato é importante aqui também. É bem possível que o filme seja muito mais interessante quando visto sem contexto, em algum canal estranho da TV ou no autoplay do YouTube durante uma sessão de sono inesperada na sala. Acordar e ver tal filme no meio da madrugada, naqueles momentos curtos de amnésia pós-sono, parece ser exatamente o que Ball tinha em mente quando filmou os corredores escuros e quartos onde percorreu na infância.
Ainda que possivelmente Skinamarink não se torne um clássico como O Iluminado (uma inspiração para o diretor, segundo ele próprio) e A Bruxa de Blair (um antecessor estético óbvio), é possível dizer que este é um filme importante, que aponta para o futuro da poderosa conexão entre narrativas de terror e certos nichos de internet — afinal, foi na web onde o mito do Slenderman nasceu.
Não se surpreenda se diversos diretores geração Z imitem o sucesso deste aqui.