Uma boa história é sempre pensada com cautela e parte de alguns princípios básicos que adicionem complexidade e emoção ao seu desenrolar. E, sem sombra de dúvida, um dos elementos mais importantes de uma narrativa competente é o seu antagonista.
Pensando nisso, talvez não haja outra companhia cinematográfica até hoje que tenha se entregue com tanta vontade quanto os estúdios Walt Disney para dar vida a alguns dos vilões mais icônicos e memoráveis de todos os tempos. É claro que, em um pensamento arbitrário e condicionado, podemos cair na falácia de analisá-los com superficialidade, tratando-os como a representação extrema do “mal”. Entretanto, foram essas construções aparentemente maniqueístas que deram origem a releituras e revisitações bastante necessárias que desconstruíssem ou adicionassem elementos interessantes a contos de origem e afins.
Numa perspectiva bastante abrangente, a Disney (e sua subsidiária Pixar, que não vamos excluir desta mais nova lista) nunca falhou quando seu objetivo ira colocar algum obstáculo na jornada dos nossos heróis – e, através de uma competente construção cênica, nos arrancou suspiros de tensão e de agonia que culminavam no aguardado final feliz.
O mais interessante, porém, é ver como somos muito mais atraídos pelas personalidades cínicas, sarcásticas e ambíguas desses personagens em questão do que pela benevolência e inocência dos protagonistas. Não é surpresa que alguns dos vilões também sejam colocados em um patamar de favoritismo absoluto.
Com isso, damos início a uma breve lista com os onze melhores vilões dos estúdios supracitados. Confira nossas escolhas abaixo e conte para nós: qual é o seu antagonista favorito?
11. ERNESTO DE LA CRUZ, Viva: A Vida é uma Festa
‘Viva: A Vida É uma Festa’ não prometia nos entregar algo tão épico quanto conseguiu e, em pouco tempo, tornou-se um dos filmes favoritos do público. Porém, não foi apenas o seu incrível e emocionante design que nos tirou o fôlego, e sim o mergulho de cabeça que a história de Adrian Molina e Matthew Aldrich fez nas aventuras do jovem Miguel.
A busca do herói por seu tataravô no mundo dos mortos seguia uma progressão convencional, por assim dizer – pelo menos até cruzar caminho com o trapaceiro Ernesto de la Cruz. O famoso músico não apenas se passou por um antigo familiar de Miguel, como também roubou as músicas de Hector e mostrou para todos que seria capaz de fazer o possível para manter sua fama e sua reputação intactas.
Um dos primeiros filmes dos estúdios Pixar, ainda fora da parceria com a Disney, até hoje é relembrado como uma alegoria aplaudível das relações de trabalho e de opressão entre o assalariado e o burguês – tudo travestido com o melhor da aventura e da ação.
E para dar vida ao tirano antagonista, ‘Vida de Inseto’ cultivou um território essencial para que o gafanhoto Hopper insurgisse em toda sua construção complexada e superior para aterrorizar as adoráveis formiguinhas (pelo menos até ser enfrentado pela colônia inteira e ter um trágico final).
Também conhecida como Grimhilde, a Rainha Má de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’ é um dos personagens mais famosos do panteão animado e já ganhou inúmeras releituras desde seu surgimento em 1937. Porém, é a sua versão original que permanece nos cativando das maneiras mais perturbadoras possíveis.
A personagem é também uma poderosa feiticeira cujo objetivo é tornar-se a mulher mais bela do reino. Seu principal obstáculo é a personagem-titular, uma doce, inocente e linda jovem que deve ser destruída a todo custo. Apesar de seus intermináveis esforços para matá-la, a Rainha eventualmente age por conta própria e, ainda que consiga colocá-la num sono profundo, sofre as consequências de suas ações antes do que esperava.
A bruxa dos mares que aterrorizou Ariel em ‘A Pequena Sereia’ se mostrou com boas intenções no princípio apenas para revelar sua real personalidade aos quarenta e cinco do segundo tempo. Na verdade, Úrsula já havia planejado tomar o controle dos oceanos ao induzir Ariel a assinar um contrato em que abria mão de sua voz para ganhar pernas e ir atrás de seu amor verdadeiro.
Entretanto, o buraco é muito mais embaixo: Tritão, pai da protagonista, jamais deixaria que sua filha se rendesse a esse acordo e entregou seus poderes para salvá-la. Úrsula teve seus momentos de glória, pelo menos até ser empalada por um navio naufragado, e provou que pobres e infelizes almas farão de tudo para encontrar felicidade.
Gaston talvez seja a personificação mais absurda do homem rude e ignorante que só liga para a aparência e para conquistar a mulher que bem desejar – mas isso não faz dele alguém inocente ou inofensivo. Na verdade, a vilania do personagem insurge em toda sua delineação machista que não aceita a heroína Bela nos braços de outra pessoa (ainda mais quanto esta pessoa é um monstro).
Seu carisma e seu diabólico charme conseguem unir todo o vilarejo em que vivem, fazendo-os erguer archotes e foices para matar a Fera e, dessa forma, salvá-los de uma condenação infernal que nunca existiu.
6. FROLLO, O Corcunda de Notre-Dame
‘O Corcunda de Notre-Dame’ é um dos filmes mais subestimados da Disney e, mesmo não tendo feito um enorme sucesso à época de seu lançamento, hoje é considerado uma das obras-primas do estúdio. E o coming-of-age de Quasímodo em uma França miserável e marcada por um cruel autoritarismo não poderia ter chegado à sua catártica resolução sem a presença do juiz Claude Frollo.
Frollo não apenas matou a mãe do personagem titular, como também caçava os ciganos e qualquer um que se opusesse à sua supremacia ideológica, mas isso não é tudo: sua complexidade reside nos pecados que cometeu em um passado remoto, recebendo um assustador palanque na canção “Mea Culpa” e explicando com todas as palavras sua trajetória sangrenta.
É engraçado pensar que o conto de ‘Cinderela’ não é tão revolucionário assim e que nem mesmo a ingênua heroína é a melhor coisa do filme. Pelo contrário, é Lady Tremaine quem dá corda a cada um dos eventos e insurge como força-motriz de uma das cenas mais chocantes de todo o panteão.
Tremaine tem uma personalidade longe de ser afável, conseguindo mudar a atmosfera de qualquer lugar em que entre. O amor incondicional que nutria pelas filhas biológicas, na verdade, servia como fachada para se tornar uma das mulheres mais poderosas do reino, abusando da enteada com torturas psicológicas e colocando-a em uma humilhante posição.
Se Hopper já nos deixou bastante irritados por sua tirania desmedida, o ursinho de pelúcia com cheiro de morango Lotso levou esse elemento sociopata para um outro nível.
O antagonista de ‘Toy Story 3’ é um dos personagens animados mais complexos a aparecerem nas telonas. Sua fofa caracterização é nada mais que um semblante para uma terrível necessidade de controlar todos à sua volta. Lotso não tem escrúpulos para alcançar seus objetivos, obrigando todos a serem leais a ele pelo medo e pelo terror.
Não há nada mais cruel que usar cachorrinhos para fazer casacos de pele, mas Cruella de Vil não tem esse nome à toa: a vilã de ‘101 Dálmatas’ é má por natureza e nunca se preocupou com o bem-estar dos outros, e sim com glamour, com vendas e com uma expressividade controversa que levou até Roger e Anita Dearly a se afastarem dela.
Se ela não conseguir te assustar, nada mais consegue; e, em toda sua personificação clássica do final da década de 1950, com o rosto cadavérico e roupas extravagantes e vintage, não é surpresa que Cruella seja uma das personagens mais perigosas das histórias Disney – sendo recriada inúmeras vezes, inclusive por Glenn Close em 1996.
O diabólico Scar tem todos os elementos vilanescos que conseguem nos cativar logo de cara: carisma, frases ácidas e um desejo para se tornar rei mais forte que qualquer coisa. A extensão do personagem Claudius, de ‘Hamlet’, não pensou duas vezes em matar o próprio irmão para governar a savana, unindo-se às traiçoeiras hienas em prol de transformar um outrora vívido território em puro caos.
Claro que, em sua soberba desmedida, ele acabou trilhando um caminho para destruição. Mas, nesse meio tempo, empurrou Mufasa do alto de um precipício, fez Simba acreditar que ele havia sido responsável pela morte do pai e protagonizou uma aplaudível sequência cuja semelhança com a época nazista da Alemanha não é mera coincidência.
E enfim chegamos ao topo de nossa lista – e ninguém além de Malévola poderia ocupar este lugar.
Malévola não é apenas a vilã envolvente das animações Disney/Pixar, como também foi criada a partir de um maquiavelismo puro e um poder sem igual. Desde a solene maldição que infligiu sobre Aurora até sua capacidade de se transformar em um mortal e gigantesco dragão, a personagem provou que não está aqui para brincar.
O mais engraçado (no sentido chocante da palavra) é que suas ações psicóticas foram fruto do nascimento da personagem principal para o qual não fora convidada. Porém, quando se tem uma reputação a zelar, o menor dos afrontes desencadeia uma frustração e um rancor periculosos.
Como se não bastasse, o potencial de suas sobrenaturais habilidades não se restringiu apenas a Aurora, mas também a todos os habitantes do reino, que se renderam a um profundo sono, impedindo que o aguardado cavaleiro chegasse à sua prometida com facilidade. Malévola deixa bem claro que é melhor ser temida do que amada – e, se eu fosse você, não gostaria de cruzar caminho com ela.