Aline me escreve perguntando se me considero uma pessoa estranha.
Posso contar umas coisas aqui e você decide, Aline, que tal?
Quando eu era criança, eu via espíritos. Acho que nunca escrevi sobre isso. Via um garotinho de uns seis anos, que gostava de varandas e da cor azul. Era quase sempre visitada por uma senhora descabelada que gostava de sentar-se na beira da minha cama. Tinha pavor de um homem em uma moto, que aparecia de capacete, acelerando no corredor da minha casa.
Fui a um centro espírita e rezei muito (muito mesmo, praticamente implorei) para que eu perdesse por completo a minha mediunidade. Parei de ver completamente. Hoje acho que eu nem via, para falar a verdade. Mas tenho certeza de que eu via.
Todos os dias, durante o banho (desde que tenho uns 12 anos) eu faço um ritual em que toda a energia ruim do meu corpo escoa pelo ralo e as pontas dos meus dedos tentam puxar uma cachoeira de luz do teto. Um dia fiz isso, não faço ideia do motivo, e meu corpo inteiro formigou, ficou elétrico e eu senti disparos de pequenos choques.
Entendi que precisaria fazer isso para sempre. E obedeci. O ritual tem uma série de sons e imagens mentais e, a depender do dia, eu demoro bastante para sentir que “já está bom”. Minha mãe passou boa parte da minha adolescência achando que eu me masturbava no banho.
Aos vinte e poucos anos comecei a ter umas paradas premonitórias bem malucas. Eu entrava em um bar e pensava “meu Deus, sai daqui agora. Agora”. Eu saia correndo, passava mal, caía a pressão. Quase desmaiava mesmo. E ao chegar em casa descobria, segundos depois, que o local havia sofrido um assalto, ou que uma briga gigante começou assim que eu me despedi e que socos e pontapés atingiram alguns dos meus amigos.
Era complicado porque minha pressão vivia caindo. Não necessariamente porque o ambiente seria palco para crimes ou cenas com alguma gravidade. Às vezes, era só uma turma que estava vibrando de forma meio merda e pronto, eu passava mal.
Me lembro de uma garota que trabalhou comigo em uma agência de publicidade. Ela era muito triste, muito mesmo. E eu queria ajudar. Ela falava em morrer o tempo todo. Ela chegava perto de mim e era como se eu estivesse há 20 dias sem dormir. Eu sentia vontade de me deitar no chão e chorar pesadamente.
Uma vez ela estava bastante persecutória e conforme ela foi falando sobre todos que estavam contra ela, eu senti como se uma mão aberta empurrasse com força o meu peito e eu caí sentada em um sofá que estava meio distante. Me afastei da garota, com alguma culpa.
Mas podemos sair do tema “espiritualidades bicho grilo”, pois sou estranha em uma gama mais complexa de quesitos e pormenores. Já mandei flores para mim mesma, no trabalho, para provocar um cara com quem eu estava saindo. Ele não viu que eu tinha recebido as flores, então fiz pior: liguei para agradecer, fazendo de conta que eu achava que pudesse ter sido ele.
Durante a faculdade, eu queria ser descoberta como uma iminente cantora de ópera. Então, de repente, eu me levantava na principal lanchonete em frente ao prédio em que eu estudava e mandava a ver na minha imitação do Edson Cordeiro (cantando em uma propaganda do Chevrolet Kadett de 1993). Eu não avisava minhas amigas que faria isso e elas se escondiam embaixo da uma mesa. Mas quase sempre eu era aplaudida.
Quando completei 30 anos, reservei um andar inteiro de um restaurante, convidei mais de 100 pessoas, fui até a porta, vi todo mundo, entrei no carro e voltei para casa. O lugar estava muito cheio e quente.
Por uns cinco anos, inventei uma agente chamada Márcia que negociava meus contratos sempre pedindo muito dinheiro. Depois, eu mandava e-mails me desculpando por ela. (Sei que o Mário Prata tem uma história parecida e não estou copiando, eu também fiz isso).
Durante um longo período em que morei em São Paulo de domingo a quarta e no Rio de Janeiro de quinta a sábado, eu adquiri a mania de ir com meu carro até o aeroporto, estacionar, e só pegar meu carro 3 ou 4 dias depois. O valor era umas 296 vezes mais caro do que pegar um Uber, mas eu achava que se eu fosse com meu carro até o aeroporto isso significaria que conseguiria entrar no avião sem enlouquecer. Virou uma espécie de superstição neurótica. E assim eu gastava uma fortuna, em nome de uma mania completamente sem explicação.
Eu demoro para lavar algumas meias suadas da minha filha. Sou viciada em seu chulé. Torço para que ela chegue absolutamente suada de todos os lugares. Tem uma meia de quando ela tinha dois anos que eu jamais lavei. Deus está no cheiro do chulé da minha filha.
O que você acha, Aline?
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