Odeio fazer cálculos, nunca me interessei por matemática. Fórmulas, planilhas, tabelas, porcentagem, contas a pagar… Esse é todo um universo que me assusta e exige cautela.
No meu alcoolismo ativo, eu postergava tudo que dizia respeito a planejamento financeiro. Exercia muito bem a procrastinação. Não tinha capacidade nem vontade de dedicar tempo para cuidar de gastos. Tenho plena convicção de que uma grande conquista da sobriedade é ter conseguido controlar essa parte da vida. À época das bebedeiras, não olhava extrato de banco por medo. Quase sempre ficava no negativo, claro, pagando juros e fazendo dívidas desnecessárias.
Aprendi que o alcoolismo é a doença do “ainda”. No começo das primeiras catástrofes eu era jovem, me recuperava logo e seguia com o álcool porque “ainda” não tinha perdido meu emprego, “ainda” não tinha começado a beber de dia, “ainda”não tinha dívidas gigantescas…
Meus três primeiros empregos foram em regime CLT. Isso me dava segurança. Cumpria meus horários, trabalhava de segunda a sexta e o RH cuidava de toda a parte burocrática para mim — todos os impostos, contribuições do INSS etc. Fiquei muitos anos nessa condição, até que um dia não aguentei mais. No terceiro emprego, estava cansada e tinha a sensação de estar desperdiçando a vida. Tive a “excelente” ideia de pedir demissão (antes que me mandassem embora) para cuidar mais de mim, inclusive da saúde.
É verdade que estava à beira de um burnout, mas não exclusivamente por causa do trabalho. Acontece que eu tinha a convicção de que teria uma vida mais saudável sem um emprego fixo. Uma grande ironia. Resgatei meu FGTS e saí da empresa com um bom dinheiro no banco. Estava bem de grana, teria tempo livre. Esses dois elementos, aparentemente favoráveis, foram o começo de uma derrocada financeira.
Assim que saí do emprego, comecei a receber muitas ofertas de trabalhos pontuais. Meu currículo era bom, tinha até experiências no exterior. Aceitei praticamente todos os convites, para as funções mais variadas. Nunca soube dizer não e tudo me parecia interessantíssimo, não queria perder nada! Vivia o lema: melhor me arrepender de alguma coisa que eu fiz do que amargar o arrependimento por não ter feito (“Uma frase claramente da ativa, Alice”, alertou-me um dia minha madrinha de AA).
Como freelancer, me sentia dona do meu tempo. Não prestava contas a ninguém. Só hoje percebo o perigo que aquilo representaria para o meu alcoolismo. Comecei a beber quase toda noite, sempre muito, perdia a hora e no dia seguinte estava quase sempre imprestável. Resultado: deixava a desejar em alguns “jobs” e , por culpa, por saber que não estava dando o meu melhor, não cobrava. Mas tudo bem, não é? Afinal eu tinha uma boa reserva…
Só que, em vez de economizar, gastei sem pensar. Comprava muito, bebia vinho à tarde (e eu nunca parava no primeiro copo)… Com álcool na cabeça e comportamento compulsivo, saía do almoço e ia bater perna com uma ânsia de adquirir quase tudo que eu (não) podia. Se me programava, por exemplo, para comprar um filme em DVD (na época não havia streaming), saía da loja com pelo menos cinco, muitas vezes alguns que não me interessavam em absoluto.
Entrava nas lojas sem saber exatamente o que estava procurando, e ia surtando nas compras. Agia sem pensar. Minha conta já roçava o vermelho e eu comecei a gostar de não ter compromisso para poder beber mais. (Hoje me dou conta de que era para isso.) Então parei de aceitar trabalho, ou fazia tão mal feito que queimava meu filme. Aí começaram mentiras, empréstimos e uma vida financeira rumo a ladeira abaixo.
Mesmo percebendo que as coisas iam mal, me sentia jovem e certa de que estava apenas vivendo uma vida de prazer depois de tantos anos trancafiada no escritório. Adorava pagar a conta dos outros em bares e restaurantes, dar presentes extravagantes (como uma viagem à Bahia para dois gringos que vieram me visitar…). No fundo, achava que podia conquistar todo mundo com aqueles gestos.
Quando fazia besteiras bêbada, tentava consertar com algum presente. Oferecia um jantar, um almoço e pronto, constrangimento solucionado. A bebida exercia isso, fazia me sentir dona de um poder absoluto. Eu bebia e me transformava: rica, poderosa, genial.
Vivi esse inferno da falência material por anos. Acumulei dívidas de aluguel, IPVA, multas de trânsito. Fui despejada, perdi meu carro, minha carta de motorista e comecei a perder também não só a vontade de controlar minha conta bancária, mas a vontade de viver. Nada mais fazia sentido, eu só levava porrada. Cheguei a ser interditada pela minha família, passei a cometer pequenos roubos (roubava cerveja no supermercado, na padaria…) e com isso meu caráter também foi pras cucuias.
Ainda bem que havia uma essência muito forte e empática dentro de mim. Algumas pessoas nunca me abandonaram e aos poucos fui conseguindo me reerguer. Depois, claro, de parar com a bebida. No começo da recuperação, meus familiares me davam uma semanada para comer e pagar a condução até meu grupo de tratamento.
Continuo não sendo fã de cálculos, mas entendo que é uma obrigação, e eu não preciso gostar. Foi difícil e quase insuportável durante muitos anos para mim e para as pessoas ao meu redor, sem dúvida foi. Hoje a minha conta do banco não chega nem perto do vermelho. Penso muitas vezes antes de comprar alguma coisa. E acredito que minha riqueza vem de outro lugar.
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