A falta de informação sobre as doenças raras e a dificuldade de acesso aos tratamentos são entraves que reduzem a qualidade de vida dos portadores, segundo especialistas.
Embora sejam raras individualmente, essas patologias atingem 1,3 a cada 2.000 pessoas, o que equivale a 13 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. Isso acontece porque estima-se que haja entre 6.000 a 8.000 doenças raras. Essa diversidade dificulta a identificação dos casos por parte de médicos da atenção primária e até especialistas, o que faz com que os diagnósticos demorem anos para acontecer.
Foi o caso de Alexandro Alves de Queiroz, 50. Natural de Pau dos Ferros, a 389 km de Natal (RN), já tinha, quando adolescente, o sintoma da urina escura, que pode ser associado desde a infecção urinária até a hepatite. A família achou que era normal e nunca investigou, de fato, o que poderia ser.
Hoje morador de São Paulo, Alexandro só notou outros sintomas depois dos 40 anos: dores e curvamento na coluna e uma manchinha preta na orelha. Chegou a tratar a doença como se fosse uma espondilite anquilosante (inflamação que afeta tecidos conjuntivos), por orientação de uma profissional de saúde.
Foi apenas aos 48 anos que descobriu ter alcaptonúria, doença genética caracterizada por um erro no metabolismo dos aminoácidos fenilalanina e tirosina, o que resulta no acúmulo de uma substância no organismo que, em condições normais, não seria identificada no sangue.
Agora, com o diagnóstico correto, mantém uma rotina de exames com frequência e exercícios físicos, para evitar o avanço da doença. Além disso, busca se manter informado sobre o tratamento. “Encontrei um grupo de 20 pessoas no Brasil inteiro que têm a doença para trocarmos figurinha.”
Foi assim que ele soube que há um princípio ativo que trata a doença, a nitisinona, indicado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o tratamento de pacientes com tirosinemia hereditária do tipo 1, outra doença rara. Pacientes com alcaptonúria, portanto, não conseguem acesso ao medicamento, a não ser sob decisão judicial.
Essa é a opção comumente usada para a obtenção de tratamentos e remédios, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, Felipe Henning. “Os remédios para doenças raras são pouco vendidos e exigem uma tecnologia de ponta para desenvolvê-los, o que acaba tornando o custo dos medicamentos muito caros. Muitos ultrapassam a casa dos R$ 100 mil, R$ 1 milhão”, diz. Apenas em 2022, o Ministério da Saúde gastou cerca de R$ 1,1 bilhão com a compra direta de medicamentos por ordens judiciais.
“Judicializar exige a contratação de um advogado, o que uma pessoa sem instrução dificilmente vai fazer. Então o acesso ao tratamento envolve uma barreira educacional. Os processos também são custosos, limitantes para famílias de baixa renda”, diz Henning.
A medida foi tomada por Flávia Diniz, criadora do grupo de pacientes com alcaptonúria, para ter acesso à nitisinona pelo SUS. Com prescrição médica em mãos, a servidora pública venceu um processo contra o governo do Distrito Federal para receber o medicamento, mas ainda não foi contemplada. O custo anual do tratamento, conforme a decisão, seria de R$ 24.678.
Além disso, a dificuldade de acesso a exames para o diagnóstico entra na lista entraves enfrentados pelos pacientes, segundo o médico João Bosco, coordenador do programa Genomas Raros, que faz o sequenciamento genético de doenças raras no Hospital Israelita Albert Einstein, com financiamento do Proadi (programa de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS).
O programa integra o Genomas Brasil, criado pelo Ministério da Saúde em 2020 para estabelecer a implementação da saúde de precisão no sistema público. A ideia é que seja um complemento à portaria nº 199, de 2014, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras.
“A portaria permitiu que cidades e estados criassem serviços especializados para pacientes com doenças raras. Esses centros recebem um pouco mais de recursos e têm acesso a um pouco mais de exames, de forma limitada, para fazer diagnósticos”, diz.
Por isso, segundo ele, a situação melhorou nos últimos anos para os pacientes com doenças raras, mas ainda não tornou possível o acesso a ferramentas modernas de diagnósticos, como o sequenciamento genético que Bosco coordena. Pelo programa, que foi renovado para 2026, mais de 8 mil sequenciamentos foram feitos. Essa técnica detecta a causa genética das doenças e pode evitar que o paciente passe por tantos exames, o que agiliza o diagnóstico.
Quanto mais rápida a detecção, menores as chances de sequelas e lesões para o paciente, aumentando sua qualidade de vida. “É a rede maior que a gente tem para pescar”, afirma Bosco. O teste do sequenciamento de Exoma, que tem a mesma função, está disponível pelo SUS apenas para algumas doenças neurológicas.
Apesar das dificuldades, a forma mais acessível de buscar um diagnóstico ainda é através dos Serviços de Referências em Doenças Raras, diz Anete Grumach, coordenadora do Departamento Científico de Erros Inatos da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia). Os serviços são mapeados por iniciativas como a Rede Nacional de Doenças Raras.
Algumas das patologias ainda podem ser identificadas com a ação preventiva da triagem neonatal, que inclui os testes do pezinho, do olhinho, da orelhinha e do coraçãozinho, que devem ser realizados nos primeiros dias de vida do bebê.