Macarrão instantâneo, biscoitos recheados, hambúrgueres e outros produtos congelados são alguns dos exemplos de alimentos ultraprocessados facilmente encontrados nos lares brasileiros e que preocupam especialistas em obesidade do país.
Estudo referência no assunto, o Atlas Mundial da Obesidade apontou que, até 2035, metade das crianças e jovens brasileiros com idades entre 5 e 19 anos serão obesos. O dado é 20% maior se comparado à mesma pesquisa disponibilizada no último ano.
O levantamento mostrou ainda que 78% das mortes em decorrência da obesidade aconteceram em países mais pobres —que lideram, cada vez mais, os rankings de mortes precoces por complicações de doenças como as cardiovasculares e diabetes, ambas desencadeadas também pelo excesso de peso.
No último ano, uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP já havia mostrado que o crescimento no consumo deste tipo de alimento, entre os anos de 2008 e 2018, era maior na população mais pobre e com baixo nível de escolaridade.
Segundo especialistas, uma maior oferta de comidas ultraprocessadas pode ser um dos fatores que tem desencadeado, cada vez mais, casos de crianças com obesidade, em especial, em países em desenvolvimento, como tem acontecido no Brasil.
Presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo de Obesidade e Síndrome Metabólica) e da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), Bruno Halpern diz que isso ocorre pela facilidade de acesso a este tipo de produto, normalmente mais barato. Além disso, por um tempo, uma maior disponibilidade deste tipo de alimento até ajudou no combate à fome.
“[A fome] Era um problema muito mais sério antigamente, mas por outro lado acabou aumentando significativamente os índices de obesidade do mundo”, complementa Halpern.
Justamente por ter um preço mais acessível, este tipo de alimento é mais consumido em países em desenvolvimento, comenta Halpern. “A obesidade tem outras causas e está presente também na população de alta renda, mas o crescimento dos últimos anos tem muito a ver com essa mudança epidemiológica de que a obesidade era um problema de saúde da classe social mais alta.”
Em outros países pertencentes ao Brics, por exemplo, o estudo também prevê aumento da doença crônica entre crianças e adolescentes. Até 2035, China e África do Sul devem ter, respectivamente, 72% e 71% de sua população com idades entre 5 e 19 anos com obesidade
O especialista alerta que o próprio acesso a alimentos mais saudáveis é restrito a famílias com melhores condições e, para contornar o problema, uma sugestão seria uma taxação dos alimentos ultraprocessados, assim como uma sinalização —já existente— e redução no marketing desses produtos para crianças.
“Deve-se discutir a possibilidade de redução das calorias e açúcares em alguns alimentos, se não, taxá-los com impostos maiores”, diz.
Do acesso ao alimento mais saudável a alguns dos medicamentos utilizados para tratar a obesidade, como a semaglutida e a tirzepatida, a condição financeira sempre é um fator determinante para o paciente, segundo Halpern. “Não adianta ter os remédios só para a parte mais rica da população.”
Médico nutrólogo e presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), Durval Ribas Filho diz ainda que a predominância de sobrepeso e da obesidade é visivelmente maior entre classes menos favorecidas.
“Se a gente observar os casos menos favorecidos, é onde mais tem sobrepeso e obesidade porque essas pessoas, infelizmente, não ingerem frutas, verduras e legumes, mas sim alimentos com alta densidade energética que são gordurosos e possuem bastante açúcar”, afirma Ribas Filho.
Além da preferência por alimentos ultraprocessados, que são mais baratos e mais fáceis de encontrar, o nutrólogo alerta ainda para um sedentarismo cada vez maior entre as gerações mais novas. “As crianças brincam menos e estão mais expostas a tecnologias, consequentemente têm um gasto energético menor.”
Tratamentos disponíveis
Os profissionais que tratam a obesidade costumam trabalhar com cinco tipos de recursos para combater a doença. Eles funcionam como uma pirâmide e precisam ser trabalhados, muitas vezes, juntos.
O primeiro, e mais tradicional, é a reeducação alimentar. O segundo consiste em dedicar uma frequência a atividades físicas. Já o terceiro envolve terapias comportamentais, como tratamento psiquiátrico e acompanhamento psicológico. Apenas caso os três primeiros não funcione, o médico parte para o quarto tipo de tratamento, que envolve os medicamentos.
“É importante dizer que o remédio para a obesidade não faz mal e precisa ser usado com frequência, porque assim como hipertensão e diabetes, a obesidade também é uma doença crônica”, diz Ribas Filho.
Para ele, nem sempre a obesidade é compreendida como doença, facilitando o estigma por trás do tratamento.
Apenas em última instância o profissional sugere a cirurgia bariátrica. “É o método mais eficaz, principalmente em casos mais severos, como de obesidade mórbida”, informa Ribas Filho. Ele alerta, no entanto, que é comum o paciente ganhar um pouco de peso cerca de 10 anos após o procedimento, mas dificilmente será o mesmo de antes.