Enjoo no carro não piora com ansiedade, é ansiedade – 24/06/2024 – Suzana Herculano-Houzel – Zonatti Apps

Enjoo no carro não piora com ansiedade, é ansiedade – 24/06/2024 – Suzana Herculano-Houzel

A lógica darwinista diz que tudo que existe veio a ser através de adaptação e seleção, portanto serve alguma função –inclusive algo desagradável como o enjoo, aquela sensação indescritível porém inconfundível de quem tem algo muito errado. Pensar que tudo deve ser resultado de adaptação por seleção foi o que mais fez sentido na época em que Darwin tentava entender como a vida veio a ser como é, mas é problemático por uma série de razões que não cabem em uma coluna.

Ao contrário, eu acredito que assim como para morrer basta estar vivo, para continuar vivo basta funcionar… mesmo que com enjoo. Mas isso ainda não responde à pergunta: por que enjoamos? O que é e de onde vem o enjoo?

A segunda parte é a mais fácil. A sensação de enjoo ocorre quando o cérebro registra que a peristalse do trato gastrointestinal parou, ou está alterada. Há uma série de causas para esse estado, começando com algo que se comeu e não prestou –e não prestou justamente porque… fez o estômago e o intestino parar de se mover.

Mas a estase do estômago (esse é o nome da parada de movimentos como a peristalse) também pode vir de cima: do cérebro, ou mais especificamente, da amígdala. Esta estrutura, que não fica no fundo da sua garganta, é parte do sistema no cérebro que integra sua situação espacial com seus estados fisiológico e mental e causa mudanças no seu corpo que são a expressão fisiológica do seu estado mental. Você conhece essas mudanças por um nome mais simples: emoções.

A estase estomacal é uma dessas expressões fisiológicas causadas pela amígdala, e a náusea é a sensação que sucede quando o cérebro registra a mudança no corpo que ele próprio causou. Ótimo –mas isso ainda não responde à primeira parte: por que a náusea? Em que circunstâncias o enjoo acontece, ou seja, o que o causa, quando ele vem do cérebro?

Eu enjoo muito facilmente, sobretudo em carros que eu não dirijo. Esse tipo de enjoo é atribuído à incapacidade do cerebelo em conseguir antecipar as sensações causadas pelo movimento do carro –mas por que cargas d’água isso levaria a enjoo? E por que o enjoo no carro seria tão sensível à ansiedade, começando com a ansiedade de entrar em um carro e já antecipar que a viagem será horrível por causa da náusea?

De olhos fechados no banco de trás, pensando no assunto, acho que matei a charada. Acontece que enjoo, junto com dor de tensão muscular, também é a minha manifestação da ansiedade que agora eu reconheço que me assola desde a infância, parte integral do autismo: o enjoo que me toma sem qualquer razão externa é minha indicação de que tem algo me chateando que eu ainda não identifiquei. Agora que eu sei disso, o enjoo me ajuda a parar para pensar no que eu estou tentando controlar, sem sucesso.

E é isso o que o cerebelo faz: nos põe no controle, ao antecipar as consequências sensoriais dos nossos atos. Como a ansiedade é o estado de falta de controle, a expressão da ansiedade é o que o corpo sente quando o cerebelo não dá conta. Ergo: a náusea no carro não piora com ansiedade, ela é ansiedade.

E para que serve enjoar no carro? Para nada, não é uma adaptação evolutiva. Isso é apenas que o cérebro faz, quando nota que perdeu o controle, não importa onde esteja.


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